Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Moçambicanidade

“Na Escola Velha foi onde dei o meu primeiro contacto com a moçambicanidade, com a cultura e literatura daquele chão, daquela casa pátria, pois se em nossa casa familiar cantávamos canções portuguesas: “ ó malhão-malhão, que vida é a sua…”. Ali ouvi os primeiros sons do que é uma língua nacional: “ kuli kuli ka ti nova! Kuli kuli ka ti nova…” (De lá, de lá, onde viemos, em tradução literal). Esta situação levar-me-ia à descoberta da minha situação híbrida, miscigenada, pois a cultura moçambicana, um mosaico composto por 42 línguas nacionais ou maternas, é fermento, palco de diferentes tribos, de diferentes identidades raciais e religiões.

A minha condição urbana propiciou que o português seja hoje a minha língua materna. Com uma população estimada em vinte milhões de habitantes, em Moçambique só 39,6% sabe falar português. Apenas 8,8% da população usa o idioma português em casa. De acordo com o último censo, 80,8% da população urbana sabe falar português, mas esta percentagem desce para apenas 36,3% nas áreas rurais. O que significa que enquanto estamos aqui a tratar de lusofonia um grosso número de habitantes certamente nunca ouviu falar de lusofonia.

Também é importante que o saibam, para contextualizar, que 72 por cento de moçambicanos são analfabetos e 54 por cento  navega na pobreza absoluta. Este cenário ilucida que a lusofonia é privilégio de muito poucos. À pequena elite urbana, se impõe o exercício quase titânico de esclarecer o vínculo que faz de nós lusófonos, congregados à comunidade de língua portuguesa.

Na falta de recursos e meios, o denominador comum dos moçambicanos, o que une os moçambicanos, se me permitem, ainda não é a língua portuguesa. É a dança, a música, a poesia, o teatro, o seu mosaico cultural potencialmente adstrito à oralidade. Também a pintura empírica encontrada nos umbrais, nas fachadas das palhotas pelo vasto país, expressa a unicidade na diversidade.

Por outras palavras, se é verdade que um número significativo de cidadãos é espectador da lusofonia, já não o é quanto à sua cultura endógena. Tirando os ritos formais, das comunidades e conferências, a cultura e literatura moçambicanas manifestam-se esporadicamente à volta da fogueira, nos ghetos, nos saraus proverbiais e acústicos transmitidos pelos mais velhos.” Adelino Timóteo - Moçambique

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