Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Fantasmas

“O momento é de aperto!

Os inúmeros sacrifícios continuam a ser pedidos. A desejada saída do actual governo português parece nunca realizar-se. As vozes de revolta e pretensiosos novos governantes vão-se enfurecendo, censurando, apelando a moções, exercendo os exercícios de retórica partidária. O bipolarismo e esquizofrenia do povo permanece, aumenta e vai aguçando o gosto pelo grito e pela manifestação.

Desde 1 de Janeiro de 1986 somos oficialmente parte deste grande bloco europeu. Desde de 1 de Julho de 1988 que eu cá ando. Desde que me lembro que a Europa é, no meu ponto de vista, um mero continente. Já pedi desculpa por não me sentir europeu; já pedi desculpa por renunciar ao voto; já pedi desculpa por não gostar de futebol; já pedi desculpa por ficar mal disposto quando entro em igrejas na hora da missa, quando entro em hospitais perto dos blocos operatórios, por ficar enjoado em grandes aglomerações festivas (como festivais, congressos partidários, etc...); já pedi desculpa por considerar a candidatura do fado a património completamente irrelevante para a minha identidade ou do meu dito país. Agora não peço mais desculpa...

Não acredito em nenhuma proposta para nos "salvar da troika"; não acredito que alguém dos meios partidários tenha a capacidade de nos livrar de um contracto que "ah, não fomos nós que assinámos" (quando todos os partidos têm a culpa toda, como os eleitores, como a justiça e os órgãos legisladores) com o eterno fundo sem fundo monetário, com este circo, esta autêntica palhaçada da resistência europeia à China e aos States. Não acredito na globalização pois está à vista o quão descaracterizados estamos cultural e politicamente. Não acredito e muita coisa e, no entanto, não trago nada de novo, nem soluções comunitárias, nem soluções políticas, nem solução alguma.

Diria José Gil em Portugal o Medo de Existir, que é precisamente esta incapacidade da inscrição dos factos, na aceitação e concretização da actualidade na mente portuguesa que é geradora de tudo isto! Pois eu sou culpado. Sou culpado porque não acredito em governos, porque não os conheço, porque não sei a quem devo dinheiro (devemos), porque não sei em que hei de votar (porque não quero), porque nem sei para quem contribuo quando passo recibos (ou para quem servirá a receita), porque não acredito em qualquer medida, mensagem, programa televisivo, programa político, proposta de novo governo, orçamento de Estado, sacrifício ou aperto do cinto que me propõe. E é precisamente por acreditar que muitos de nós não acreditamos em nada isto, é que acredito que estes senhores governam um "povo fantasma" que acreditam ser o mais sacrificado e cristão de todos os tempos, enquanto jogam com as balanças de credores e empréstimos da europa. Pois digam-me que movimento fundar, que medidas adoptar, que... que... que... fazer?

É cómoda esta cadeira em que sento e escrevo este desabafo. Cada vez mais incómodo este esforço inútil de negar o nosso autismo. Sejamos francos. Olhemos no fundo. Acabemos com esta brincadeira de vez... Não haverá outra solução para os dias de hoje que não passe por um processo de mentalização individual muito profundo. Não me venham com refundações, reformas, partidos, movimentos, esquerdas, direitas... Não há solução no aparelho governativo, no estado, na assembleia, na banca...

Nas ruas procuram-se as soluções... estejamos então nas ruas. Estejamos a usar a nossa imaginação e criatividade para a cítrica, a observação, o grito. Boicotemos a dependência monetária e procuremos alternativas viáveis para a nossa actividade extra sobrevivência (porque do resto não nos safamos). Larguemos esta cadeira tão cómoda depois de acabarmos os nossos desabafos.” João Sousa – Portugal in “Diário Liberdade”
(Breve desabafo de alguém tão importante como outro qualquer)


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