Cabo Verde a regredir na Língua Portuguesa!?...
Ou Carta “semi-aberta” às autoridades e aos professores cabo-verdianos
A acontecer, tratar-se-á na verdade, de um
autêntico desastre linguístico, académico e científico! Infelizmente das vozes
ouvidas e das notícias colhidas e do que se está a presenciar aqui nestas ilhas
com a nossa língua portuguesa, património que nos é caro e historicamente a
língua falada e escrita a mais antiga entre nós; levam-nos à confirmação deste
triste e preocupante facto, tanto nas escolas como nas instituições
universitárias.
Em jeito introdutório, uma breve explicação.
Eu já me encontro numa fase da vida e numa faixa etária em que são os netos e
os sobrinhos netos, por consanguinidade e por amizade, é que são hoje os
estudantes do ensino básico e do ensino secundário que me são mais próximos.
Com alguma frequência, nos convívios familiares e com amigos mais íntimos,
pergunto-lhes (aos mais novos, aos da terceira geração) naturalmente pelos
estudos, com algum pormenor sobre as matérias dadas e, até sobre a língua
veicular.
E o que deles escuto causam-me verdadeiros
arrepios! Faço-me entender: é que ao invés de serem os professores a
classificarem os aprendentes, agora são os alunos, a fazer isso! Imagine-se! À
minha pergunta se os professores se expressam com eles nas aulas, em português,
a resposta mais frequente foi a que se segue e que contempla o que quase todos
afirmaram: “Alguns deles (professores) fazem esforço para se expressarem em
português… Outros cometem erros básicos tanto na fala como na escrita no quadro
da matéria que estão a dar”… (SIC)
Nunca pensei possível ouvir aqui, tal
avaliação da boca de um aluno, referindo-se ao professor! A que ponto chegamos!
Embora já céptica, quero conservar alguma réstia de esperança de que a língua
portuguesa volte a retomar o seu devido lugar no ensino, na escola e nas
instituições universitárias destas ilhas.
Nunca será demais afirmar que a Língua
portuguesa devia ser preservada e expandida com afinco e com afecto entre os
falantes cabo-verdianos. A Língua portuguesa devia ser oralmente ensinada em
todos os jardins-de-infância e escolinhas deste país. Isto é, desde a mais
tenra idade, com todas as vantagens disso advenientes. A Língua portuguesa
devia ser acolhida com familiaridade, coloquialidade, formalidade e respeito no
meio escolar, pois que se trata de um veículo de comunicação que põe o aluno/aprendente
em contacto com os livros, com o saber científico e tecnológico do mais alto
nível.
Nas redes sociais, tão procurada pelos
jovens, o português é a 3ª língua mais difundida e a 5ª mais falada na
internet. Tudo isso ajuda o estudante cabo-verdiano a ter orgulho, a criar
apetência e desejo de aprender mais e melhor o português, de o expressar com
mais à-vontade, quer sob forma escrita, quer sob forma oral. No meu entender,
está-se a delapidar, a destruir em Cabo Verde, um dos patrimónios – a Língua portuguesa
– mais ricos que o país possui. Aliás, historicamente o mais importante, e que
contribuiu eficazmente para desenvolvimento económico, social e cultural,
primeiro do Arquipélago, e mais tarde, do país.
A comunidade cabo-verdiana no geral, corre
sérios riscos de regredir civilizacionalmente, no seu desenvolvimento
tecnológico e cultural, para não acrescentar que tal se verificará em todos os
níveis, se empobrecermos o nosso acervo linguístico de comunicação de que a
língua portuguesa é parte integrante e muito importante. Não querendo ser
negativa, fico com a impressão que há da parte dos adultos, responsáveis
professores, e altas autoridades na matéria, aquilo que vou chamar, à falta de
melhor termo ou conceito definidor, uma espécie de egoísmo, incúria, à mistura
com algum complexo de superioridade em relação ao aluno. Nesta triste equação,
aquele (o que já sabe o português) não ensina a este (o aluno) a segunda
língua, com dedicação, empenho e afeição, em resumo, como devia ser, para que o
seu aprendente não atinja o patamar sócio profissional futuro, o mesmo ou
melhor do que o adulto em causa se encontra. Noutras palavras, como se
dissesse: “Eu (professor) sei falar e escrever em português. Mas tu (aluno) não
o saberás! E assim não ultrapassarás determinado nível de saber” Será?!...
Custa a acreditar! Sim, no estado a que chegou a Língua Portuguesa entre nós, a
explicação para o facto, terá de roçar também – e perdoem-me isto, pois não
consigo ser “elevada” a este respeito… – o mais absurdo e baixo nível!
Como entender ou, tentar explicá-lo de um
modo lógico? Não me venham com a já estafada justificação do crioulo que disso
não tem culpa, a não ser no facto de os professores o quererem agora substituir
ao português, o que é manifestamente redutor. Para além do mais, tal
substituição não faz sentido algum! O falante cabo-verdiano, há séculos que usa
o crioulo. Mas há séculos que usa igualmente o português na sua fala, na sua
escrita (quando escolarizado) e sobretudo, em aprendizagem escolar.
É disto que estamos a falar. A grande diferença
em termos da geração actual, é que o português rareia cada vez mais entre nós e
os estudantes universitários cabo-verdianos, situam-se entre os piores da CPLP,
quer nas universidades portuguesas, quer nas universidades brasileiras.
Infelizmente esta é a crua realidade! Não vale a pena ignorá-la e muito menos
fazer de conta que não é assim! Segundo informações recentemente obtidas,
embora carecendo de confirmação, parece que algumas universidades brasileiras
estão a resolver o problema para os universitários cabo-verdianos,
ministrando-lhes os tais cursos para o “terceiro mundo” leia-se: de nível
inferior. Diga-se em abono da verdade, que a ser real, tal nunca havia antes
acontecido! Afinal! Será isto que Cabo Verde pretende dos seus profissionais no
futuro? Ou seja, técnicos, médicos, engenheiros, arquitectos, economistas,
professores universitários, entre outros, mal preparados, insuficientemente
apetrechados porque não entenderem os conceitos nos manuais de estudo, não perceberam
os seus professores nas aulas e, finalmente, não apreenderam correctamente as
ferramentas do seu ofício? Será isto o panorama profissional que passaremos a
ter? Por favor, não menosprezemos e nem façamos “ouvidos de mercador” a este
assunto de importância transcendente! Se assim procedermos, estamos a
comprometer seriamente o presente e o futuro deste país! Ondina Ferreira – Cabo Verde in “Coral Vermelho”
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