Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 25 de abril de 2014

A minha história de Abril de 1974

O protagonista ausente

Naquela manhã de 22 de Abril de 1974, segunda-feira, o dia seria igual a muitos outros que nos últimos tempos iam ocorrendo de quinze em quinze dias. Pela manhã bem cedo, apresentei-me mais uma vez no quartel da Administração Militar ao Campo Grande, para obter um passaporte militar que me garantia a presença em casa por mais uns dias e a redução da despesa por parte do Estado em alimentação da minha pessoa e mais cerca de 160 militares.

Estávamos todos numa amena cavaqueira na parada do quartel, aguardando que os serviços administrativos abrissem para recebermos o passaporte que nos permitia circular no exterior por um tempo determinado, uma, duas semanas. No serviço militar não é permitido distracções, mas a interessante conversa da altura levou-me a ficar distraído e a ficar de esguelha precisamente para o Comandante do quartel.

O meu cabelo estava ligeiramente comprido para um militar, nada que fosse um exagero, mas para o Comandante foi o suficiente para me interpelar em plena parada do quartel do Campo Grande e perguntar-me porque não estava eu com o cabelo cortado?

A interpelação foi justamente em frente à barbearia que existia naquele quartel e como estava encerrada, a minha resposta foi lesta ao afirmar que aguardava que a barbearia abrisse.

Não satisfeito com a resposta o Comandante questionou-me qual a razão que eu não tinha cortado o cabelo num cabeleireiro no exterior. Respondi rapidamente que auferia apenas 90 escudos mensais, o que não me permitia cortar o cabelo num estabelecimento onde qualquer comum cortava. O meu vencimento de trabalhador antes de entrar no serviço militar era de três mil e cem escudos.

O Comandante de seu nome Barros, Major Barros, não gostou da minha resposta e fez-me mais duas perguntas que eu respondi prontamente, o que não o satisfez e de imediato me deu voz de prisão até à data de embarque para a colónia de Moçambique, que estava prevista para 18 de Junho de 1974, como efectivamente veio a acontecer.

Chamou o Tenente, comandante da companhia de intendência e mandou-me deter num quarto da ala de sargentos do quartel. Acompanhei calmamente o Tenente que foi à procura de um quarto disponível para cumprir a ordem, pois apenas os soldados podiam ser detidos na prisão.

A área de sargentos estava esgotada, pois estavam muitos militares em trânsito para as áreas de combate para onde tinham sido designados e foi essa a informação que o Tenente foi transmitir ao Comandante.

Entretanto o Major Barros foi verificando que o meu caso não era único e decidiu voltar atrás na decisão de prisão e marcou uma revista para duas horas depois para a verificação do atavio.

No Campo Grande junto à Avenida do Brasil havia uma barbearia, perto da pequena capela que por lá ainda existe e eu tive a honra de ser o primeiro a cortar o cabelo, pois o desenrolar do acontecimento tinha sido observado pelos outros 160 colegas.

Duas horas depois, formou-se a companhia, 4 pelotões, cada um com cerca de 40 jovens militares, um aspirante a comandar cada pelotão e o Tenente da companhia de intendência.

Não apareceu o Comandante Barros, mas sim o 2º Comandante, o Major Queiroz de Azevedo, que iniciou a revista por uma ponta do primeiro pelotão, formados em U alargado e, quando chegou ao terceiro pelotão, mesmo por trás da minha pessoa, mandou-me para a frente da companhia, começou a fazer o elogio do atavio de um militar e por fim pediu o meu número mecanográfico, para me dar um louvor, isto tudo debaixo de um sorriso escondido de toda a companhia incluindo o Tenente que duas horas antes tinha andado à procura de um quarto para me deter.

Este dia 22 de Abril de 1974, foi o meu dia, parece que os Deuses resolveram brincar comigo.

Três dias depois dava-se o 25 de Abril de 1974, estava em casa e em casa fiquei, pois tinha a mulher grávida, esperávamos um filho para Maio, que os nervos fizeram antecipar para o dia 26 de Abril de 1974, quando nasceu a minha filha.

Na segunda-feira dia 29 de Abril de 1974 regressei ao quartel, o ambiente era outro, havia festa por todo o lado e todos aqueles que tinham presenciado a minha cena na semana anterior corriam para mim e diziam: “Seixas, tu é que devias ter cá estado para levares o Barros preso para o Lumiar!”

O que tinha acontecido naquela quinta-feira, 25 de Abril de 1974, no quartel do Campo Grande foi que o Comandante, Major Barros, não aderiu ao Movimento das Forças Armadas e o 2º Comandante, o Major Queiroz de Azevedo, que aderiu passou a comandar o quartel. O Major Barros foi levado num “jeep” detido acompanhado por colegas meus e preso no quartel da Escola Prática de Administração Militar (EPAM) no Lumiar.

Penso que o tal louvor nunca chegou a sair no diário da unidade, o que eu sei e continuo hoje a dizer, que a única pessoa que até agora me deu voz de prisão, três dias depois estava preso e por isso e apenas isso, me considero o protagonista ausente. Que nunca mais, uma pessoa por seu arbítrio decida deter um cidadão. João Seixas - Portugal

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