Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 28 de junho de 2014

Cabo Verde – Entre o crioulo e o português

800 Anos da língua portuguesa: entre o crioulo e o português

Esta sexta-feira, 27 de Junho de 2014, comemoram-se os 800 anos da Língua Portuguesa (LP), data do documento mais antigo de que há registo nesse idioma. Em Cabo Verde, apesar de ser a língua oficial, não é a materna. A falta de oralidade, por um lado, e a falta de sentimento de pertença da própria língua, por outro, tem condicionado a aprendizagem e o uso do português nestas ilhas. Mesmo assim, alguns especialistas cabo-verdianos garantem que a língua portuguesa está “viva”, mas alertam que precisa ser mais bem tratada.

Com cerca de 244 milhões de falantes em todo o mundo, a língua de Camões é, hoje, o quarto idioma mais falado do planeta. É crescente no mundo inteiro o número de interessados em dominar esse meio de expressão cujas raízes se perdem no tempo. Em Cabo Verde, contudo, a “coabitação” entre o português, língua oficial, e o cabo-verdiano, língua materna, não está isento de tensões.

Escritora e professora de profissão, Ondina Ferreira tem sido uma defensora acérrima da Língua Portuguesa, salientando que a mesma tem vindo a conhecer uma expansão notável no mundo. “Basta pensar que países como a China, a Índia e o Japão têm revelado um crescente interesse pelo ensino da LP nos respectivos países. De tal forma que o Japão pediu estatuto de Observador, junto da CPLP. O interesse desses países reside no facto de a LP ter aumentado o seu valor como língua de negócios”.

Aliás, a língua de Camões, ocupa hoje o 4º lugar no TOP dos 20 países mais falantes da LP, o que deixa transparecer claramente o poder e influência que tem vindo a conquistar, incluindo no próprio seio da CPLP, onde há partida os dialectos nativos ainda exercem pressão. “A LP é hoje a língua materna de mais de 80% de angolanos com menos de 50 anos de idade. E a percentagem sobe, quando se trata de população dos centros urbanos daquele país. Em S. Tomé e Príncipe, e à escala do país, o fenómeno linguístico é idêntico, ao de Angola. Em Moçambique, ela vem atingindo níveis de expansão assinaláveis”.

Dados do Observatório da Língua, que na opinião da nossa entrevistada deixam transparecer “a importância que os responsáveis dos países citados atribuem à expansão e ao apossamento da LP como língua de desenvolvimento por parte do seu cidadão, e como parte incontornável da sua história cultural”. Por isso, diante desse quadro, Ondina Ferreira antevê “um futuro brilhante, de plena globalização e de mundialização” para a LP no mundo.

Falta de pertença pela LP

O mesmo futuro risonho quer antever para Cabo Verde, onde, apesar de ser considerada língua oficial, a LP sempre foi a segunda língua. Na prática, a maioria dos cabo-verdianos começam por falar o crioulo, língua materna, que ao longo da infância vai ganhando terreno quer na informalidade e brincadeiras de criança, quer nos jardins-de-infância ou até nas salas de aulas do Ensino Básico Integrado, onde a aprendizagem é maioritariamente em crioulo.

Neste contexto, a nossa entrevistada defende que o ensino do português, sobretudo a sua oralidade, devia começar nos jardins-de-infância. “A criança cabo-verdiana que não a tem em casa (LP), devia ouvi-la desde muito cedo, dada a enorme capacidade de aprender línguas que a criança possui. E, isso, seria uma vantagem, uma mais-valia que a criança, depois aprendente, levaria para a escola e para a sua formação pós-secundária no país”.

Mas, o que tem dificultado a má aprendizagem do português nas escolas de Cabo Verde? Para Ondina Ferreira, o problema começa logo na “falta de assunção da LP como nossa língua também” dos cabo-verdianos. A este facto, junta-se “a falta de afecto e de interiorização normal”, como acontecia até há bem pouco tempo. “Há poucos anos a esta parte, tem vindo a acentuar-se este fenómeno de estranheza com a LP, entre os nacionais”. Estranheza essa que Ferreira crê “ser fruto de uma orientação – má e intencional – das políticas linguísticas que estão a suceder no país”.

Na sua opinião, um dos resultados que já é visível “infelizmente”, desse desapego, “é o pouco à-vontade com que o falante cabo-verdiano escolarizado se expressa em LP”. Esse distanciamento poderá, no futuro, “criar um fosso social e intelectual (em termos de raciocínio lógico/dedutivo) entre os alunos cabo-verdianos que já levam para a escola (de casa ou, mesmo do jardim de infância) a nossa língua segunda e oficial, e aqueles a quem a escola primária e secundária não presta a atenção devida ao ensino do português e a maltratam sem que ninguém, com isso, se escandalize”, alerta.

Língua é identidade

Ademais, Ondina Ferreira faz questão de lembrar que a LP “é o veículo linguístico fundamental de todo o percurso escolar do aluno cabo-verdiano” e a “língua de união que nos permite comunicar com os países da CPLP”, exemplificando, com “a significativa comunidade cabo-verdiana emigrada actualmente em Angola, para não falar da comunidade que foi e continua a ser numerosa, imigrante em Portugal e que recebe diariamente novos elementos que daqui vão em busca de trabalho”.

Questionada se a língua portuguesa tem sido "bem tratada" em Cabo Verde, Ondina Ferreira diz que não e argumenta que “o que está a acontecer e o que está em défice é a falta de oralidade da LP, em Cabo Verde” e vai mais longe, afirmando que “a língua oficial e segunda, em termos de oralidade, não está a ser respeitada entre nós”.

Contudo, apesar do cenário pouco animador, não acredita que a LP tenda a desaparecer em Cabo Verde e afirma que, se isso acontecesse, seria “como se amputássemos parte da nossa identidade, da nossa cultura, do nosso saber, da nossa produção literária, jornalística e técnica, e igualmente a parte mais significativa do progresso e do desenvolvimento conseguido por Cabo Verde”.

Paridade e complementaridade

Também o linguista e professor universitário Manuel Veiga tem uma opinião muito própria sobre a LP no país e destaca que o “contributo maior” que Cabo Verde tem dado para a “boa saúde” do português é, desde logo, “a declaração do português como língua oficial de Cabo Verde”. E nisso salienta ainda “as consequências que advêm dessa escolha no sistema do ensino, na administração, na comunicação, na criatividade artística e cultural”.

Outrossim, remete ainda para “o contributo” que “vem da consagração na Constituição da República do articulado que diz: o Estado promove as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa”.

Aliás, a falta de paridade e convívio das duas línguas, crioulo e português, em pé de igualdade, tem prejudicado a aprendizagem do português, acredita este entrevistado. “O ensino do português continua problemático pelo facto de não partilhar, convenientemente, o espaço do magistério com a língua materna cabo-verdiana, nos termos da Constituição que ordena a construção da paridade”.

Na opinião deste linguista, esta situação “é problemática” porquanto “o sistema impõe, por enquanto, o ensino formal apenas do português”, mas “os professores se confrontam na sala de aula com a presença fortíssima da língua materna que, por não estar devidamente enquadrada, procura, mesmo sem ser autorizada, e por necessidade ou comodidade, ocupar espaços que julga ter direito, mas que ainda não lhe é, legalmente, reconhecido”, explica a propósito da necessidade do ensino do crioulo.

Ensino de qualidade

Por isso, esta “luta” entre as duas línguas “desfavorece”, na opinião desse entrevistado, tanto a língua portuguesa como a língua cabo-verdiana. A solução, a seu ver, passaria por “ensinar as duas línguas com rigor e com metodologia própria, não em competição, mas em complementaridade”.

Aliás, Veiga defende que a LP ficaria “mais viva” quando “passar a viver mais harmoniosamente com a língua materna cabo-verdiana nos espaços de oficialidade, particularmente no ensino” e “passar a partilhar, harmoniosamente, mais espaços de informalidade com a língua materna cabo-verdiana”.

Por outro lado, admite que ainda que o português conseguirá conquistar outro espaço em Cabo Verde “quando a massificação do seu ensino corresponder também à massificação da qualidade desse mesmo ensino, com uma pedagogia e metodologia adequadas”.

Não obstante estes e outros constrangimentos, Veiga almeja que “o português da informalidade aumente o seu espaço e conviva, harmoniosamente, com a informalidade das línguas nativas, e que haja paridade e bilinguismo social efectivo entre o português formal e as línguas maternas nacionais” não só nas ilhas crioulas”, como em todo o espaço da CPLP. Gisela Coelho – Cabo Verde in “A Nação” 

As questões elaboradas por Gisela Coelho e as respostas de Ondina Ferreira para a construção do texto acima apresentado:

Na sua opinião qual o futuro da língua portuguesa no mundo?

A Língua portuguesa é uma das línguas vivas que vem conhecendo uma expansão notável no mundo. Entre as 20 Línguas mais faladas no mundo, ocupa o 4º lugar. É a Língua mais falada no Hemisfério Sul.

Basta pensar que países como a China, a Índia e o Japão têm revelado um crescente interesse pelo ensino da Língua portuguesa nos respectivos países. De tal forma que o Japão pediu estatuto de Observador, junto da CPLP.

O interesse desses países reside no facto de a Língua portuguesa ter aumentado o seu valor como língua de negócios. Os dados que eu aqui referencio, são dados do Observatório da Língua.

A Língua portuguesa é hoje Língua materna de mais de 80% de Angolanos com menos de 50 anos de idade. E a percentagem sobe, quando se trata de população dos centros urbanos daquele país. Em S. Tomé e Príncipe, e à escala do país, o fenómeno linguístico é idêntico, ao de Angola.

Em Moçambique, a língua portuguesa vem atingindo níveis de expansão assinaláveis. Daí que se possa perceber a importância que os responsáveis dos países citados, atribuem à expansão e ao apossamento da língua portuguesa como língua de desenvolvimento por parte do seu cidadão, e como parte incontornável da sua história cultural.

Por tudo isto, auguro-lhe um futuro brilhante, de plena globalização e de mundialização.

E em Cabo Verde, na sua opinião, a língua portuguesa tem sido "bem tratada"?

Como falante e amante da nossa bela língua, acho que não. Mas isto parece que é infelizmente, geral. O que está a acontecer e o que está em “deficit” é a falta de oralidade da língua portuguesa em Cabo Verde. Os falantes lusófonos que cá chegam estranham muito este fenómeno. Outrossim, a língua oficial e segunda, em termos de oralidade, não está a ser respeitada entre nós….

Acha que a língua portuguesa está "bem viva " em Cabo Verde ou tenderá a desaparecer?

Abrenúncio! Uma língua que é hoje falada por mais de 250 milhões de pessoas, em plena expansão, desaparecer entre nós? É o começo da minha resposta à sua pergunta!

A primeira, que as rochas e os areais destas ilhas ouviram! Uma língua vetusta, mas sempre renovada e enriquecida!...

Seria também como se amputássemos parte da nossa identidade, da nossa cultura, do nosso saber, da nossa produção literária, jornalística e técnica, e igualmente a parte mais significativa do progresso e do desenvolvimento conseguido por Cabo Verde. Se tal acontecer, na minha opinião, estar-se-ia a penhorar e sem recuperação o próprio país.

Defendo que a Língua portuguesa tem que estar bem viva e bem cuidada em Cabo Verde! A língua portuguesa é nosso património há mais de 500 anos! É a testemunha linguística principal de quase todo o acervo e do registo documental escrito, da História de Cabo Verde.

Na sua opinião o que tem dificultado a má aprendizagem do português nas escolas de Cabo Verde?

Tal como a entendo, o que tem dificultado tudo isto, é a falta de assunção (fenómeno relativamente recente) da Língua portuguesa como nossa língua também; falta de afecto e de interiorização normal como acontecia naturalmente, até a um passado bem recente, mas que na actualidade, e de há poucos anos a esta parte, tem vindo a acentuar-se este fenómeno de “estranheza” com a Língua portuguesa, entre os nacionais. Creio ser fruto de uma orientação – má e intencional – das políticas linguísticas que estão a suceder no País. Creio, que um dos resultados que já é visível infelizmente, é o pouco à-vontade com que se expressa em Língua portuguesa, o falante cabo-verdiano escolarizado. E isto, vai no futuro, criar um fosso social e intelectual (em termos de raciocínio lógico/dedutivo) entre os alunos cabo-verdianos que já levam para a escola (de casa ou, mesmo do Jardim de Infância) a nossa Língua segunda e oficial e aqueles a quem a escola primária e secundária não presta a atenção devida ao ensino do português e a maltratam sem que ninguém, com isso, se escandalize!

Para além do mais, é a Língua portuguesa, a língua de união que nos permite comunicar com os países da CPLP – veja-se a já significativa comunidade cabo-verdiana emigrada actualmente em Angola, para não falar da comunidade que foi e continua a ser numerosa, imigrante em Portugal e que recebe diariamente novos elementos que daqui vão em busca de trabalho.

Tudo isso e de há muitos anos a esta parte, já devia merecer, o maior cuidado e interesse em todo o o sistema de ensino da língua portuguesa aqui em Cabo Verde. A língua portuguesa é o veículo linguístico fundamental de todo o percurso escolar do aluno cabo-verdiano.

Bem não estou a inovar, isto é expresso, com força de legal e institucional, na Lei de Bases do Sistema de Ensino de Cabo Verde, fundada e elaborada em 1989, e aprovada em parlamento plural, no ano de 1991.

Aliás, tal como outros estudiosos e interessados pelas questões que se põem às nossas línguas, já o afirmaram, no respeitante à portuguesa, e entre nós, o seu ensino, sobretudo a sua oralidade, deviam começar nos Jardins-de-Infância. Ou seja, a criança cabo-verdiana que a não teve ou tem em casa, devia ouvi-la desde muito cedo, dada a enorme capacidade de aprender línguas que a criança possui. E isso seria uma vantagem, uma mais valia que a criança, depois aprendente, levaria para a escola e para a sua formação pós-secundária no País.

Logo, a sua expansão entre nós, sobretudo a sua oralidade, é de todo desejável pois que, só nos enriqueceria ao tornarmo-nos bilingues de facto.

Considera que o projecto de Ensino Bilingue nas escolas do EBI poderá servir para facilitar uma melhor aprendizagem do Português ou não? Porquê?

Como não estou a par do projecto, não sei se responderei a esta questão de forma correcta. Por isso, não sei se é esse o propósito do projecto, refiro-me à questão colocada: - poderá servir para facilitar uma melhor aprendizagem do Português?


Depende e muito da formação do professor, dos professores que têm ou, terão a seu cargo ministrar as duas línguas. Para começar os docentes (espero e faço votos que sem formações aceleradas, leia-se: apressadas) deviam ter perfis diferenciados, o de português há-de ser, ou deve ser, um docente que a domina e a fala sem acanhamento (a língua portuguesa). O ensino actual das línguas vivas, com é o caso da língua portuguesa entre nós, comporta e funde diferentes metodologias do ensino de línguas (materna, segunda e estrangeira). Pode ser que sim, que resulte, e pode ser que não, que não resulte… Tal como já disse depende de muitos factores inerentes à didáctica das línguas vivas e reitero, não conheço o projecto com profundidade suficiente para aferir eventuais resultados. Ondina Ferreira – Cabo Verde in “Coral Vermelho”




Sem comentários:

Enviar um comentário