Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 9 de agosto de 2014

Angola - Será que aprendemos alguma coisa?

Cem anos depois

Na semana passada dei um concerto em Nuremberga, na Alemanha. O espectáculo aconteceu entre o que resta das paredes de uma igreja que foi bombardeada na Segunda Guerra Mundial. Na Alemanha, temos a sensação de que a História é uma como uma cicatriz no meio do rosto: desde fora é impossível não notá-la, e custa-nos desviar o olhar de cima dela. Mas e desde dentro? Sempre me perguntei como seria nascer num lugar que carrega tão pesada carga histórica. Como lidar com o passado, quando esse passado colectivo não é motivo de orgulho mas sim da mais profunda e solene vergonha?

Durante o Mundial de futebol, vencido este ano pela Alemanha, pensei várias vezes sobre essas questões. Estes dias, em conversa com um amigo alemão que é um grande aficcionado do futebol, ele contou-me que essas mesmas perguntas estão a ser discutidas no seu país. Explicou-me que, tanto antes como durante o Mundial, houve um debate interno bastante acalorado sobre se, politicamente, seria bom ou não que a Alemanha ganhasse a Copa do Mundo. Ele próprio confessou-me que, por mais que gostasse de futebol e de ganhar, preferia, no fundo, que a sua seleção tivesse ficado com o segundo ou com o terceiro lugar.

O debate arrancou nas redes sociais e acabou por saltar para alguns meios de comunicação mais críticos. A questão central era se a Alemanha de hoje estava ou não preparada para esse nacionalismo que o futebol alimenta, em especial no campeonato do mundo. Uns acham que a Alemanha tem o mesmo direito que outras nações de celebrar os seus feitos desportivos. Afinal, é só desporto. “Não é política”, argumentam. Outros acham que é ainda demasiado cedo para sacar à rua as bandeiras nacionais. Não têm a certeza de que a população esteja preparada para uma nova onda de orgulho nacional, mesmo que este pareça o mais inocente dos nacionalismos. “A Alemanha tem uma História”, lembram.

Também na semana passada se comemorou o centenário da Primeira Guerra Mundial e esse foi, justamente, o tema do festival em que participei em Nuremberga. Acompanhei pela televisão a transmissão da cerimónia oficial. Estavam reunidos em Liège os chefes de estado de grande parte dos países envolvidos, inclusive a Alemanha. Fiquei curiosa para ouvir o discurso do presidente alemão. Joachim Gauck começou por agradecer humildemente, em nome da população alemã, o facto de ter sido convidado para estar ali presente, contudo, assumiu que não era fácil estar naquela posição.



Aquele não foi, seguramente, um discurso fácil. A Alemanha não só perdeu a Primeira Grande Guerra como fez outra pior a seguir. A Segunda Guerra Mundial talvez seja um dos poucos episódios da História onde não existem dúvida sobre quem foram os “vilões” (tomando aqui emprestada a expressão ao Cinema). Mas Gauck falou de cabeça baixa e fê-lo bem. Em poucas palavras, condenou o seu próprio país e assumiu o quão imoral foi a Alemanha no passado. Falou dos perigos do nacionalismo e da importância da reconciliação. Disse que tínhamos que aprender com a História para não repetir os mesmos erros.

Depois de uma guerra, é certo que é preciso perdoar. Só não devemos esquecer, porque a História se escreve para nos lembrarmos dela, mesmo que seja através das ruínas de um edifício. A pedra tem uma idade. A pedra também ensina. Derrubar a História de um país é, por isso, ameaçar o seu destino, roubando-lhe a oportunidade de aprender com o antigamente. Cem anos depois, será que aprendemos alguma coisa? Aline Frazão – Angola in “Rede Angola”

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