Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Portugal - Os espíritos malignos nos comentadores

Receio que como “as minas em Portugal estão dominadas por tais espíritos malignos”, também a maioria dos nossos comentadores o estão. Acontece desde sempre e ainda mais desde que a troika surgiu por aí, disseram que a culpa dos nossos males financeiros era bem nossa. Tínhamos gasto demais. Disseram. Não cuidávamos da nossa literacia financeira. Sublinharam. Não trabalhávamos como deve ser.

Censuraram. Acrescentaram que não aproveitávamos os restos dos nossos cozinhados e deram uma infinidade de receitas de culinária e não só. Foi muito os que nos enfiaram pelos olhos e ouvidos, usando a televisão, a rádio, os jornais, etc. Debitaram sem descanso desde manhã até à noite tanta sapiência, que esta até bastava para todos os exércitos pararem as guerras, mas só justificaram todas as mudanças de rumo da política nacional e um dia depararam-se com a refutação de tanta sabedoria propalada na televisão, rádio, jornais... Adiando a verdade, preparavam somente a desgraça final.

Libertemo-nos por isso dos espíritos malignos que nos impingem os caminhos da miséria tal como o fez a serpente, que enganou Eva e esta depois Adão, tendo como consequência a sua expulsão do paraíso. Fizeram-no para convencerem um povo inteiro da inevitabilidade dos sacrifícios, que foram e são os cortes dos salários e pensões e demais aumentos de impostos, acompanhados da destruição do Estado Social para que tudo ficasse bem ajustado. Prometiam só que tudo ficaria bem. Mas, aconteceu que depois de tanto sacrifício premiado com uma saída limpa da troika, surgiu mais um consumidor voraz dos dinheiros que esta nos tinha emprestado.

Notei então o ar de desconforto de um pregador da doutrina neoliberal travestida de doutrina católica. Este, vendo-se possuído por um espírito maligno que o tinha feito errar tanto, irritou-se com todos os que o tinham censurado por ter tanta prosápia sem fundo e sem fim. Parecia possesso. Esqueceu-se de pensar nos muitos pecadores à solta que continuaram a ter más práticas de gestão, provocando por desleixos novos desperdícios sem conta, que um dia nos surgiram como por magia má. Era tudo resultante de um espírito maligno deixado à solta por má cabeça dos que nos convenceram dogmaticamente de que tudo estava no bom caminho.

E não estava como se vê agora.

Demasiados continuaram a pecar enquanto os comentadores/analistas da economia e da finança se puseram a dizer que estava tudo melhor. Por isso, alguns homens de boa vontade, vendo tão má doutrina expendida por aquele tão mau profeta, pensaram: Graças a Deus que sou ateu e assim não tenho que acreditar em tão má e dolorosa prosa. Nada disso. Dirão muitos, sabendo que os sofismas deram muito dinheiro a ganhar e que ele e os outros estão bem calçados, deixando o povo descalço e de tanga.

Outros fazem mais que os comentadores vulgares, anunciam as novas medidas governamentais defendendo-as desde logo como necessárias. Transformam-se assim em profetas da desgraça. Os mais comedidos dos comentadores, que se destacaram na defesa da austeridade como remédio, estão agora na retranca e tentam fugir aos grandes temas da desonestidade/inabilidade/imprudência dos banqueiros. Ninguém quer discutir a lógica do capitalismo financeiro e influência/presença de comportamentos anómalos, desleixados e até criminosos. Ninguém parece querer falar verdade sobre as raízes da situação de catástrofe iminente, que parece rondar o país pois a destruição em marcha do sistema financeira não parece ser urna destruição criativa de uma realidade melhor. Na verdade, quando percorremos as ruas e as estradas de Portugal vemos horrorizados a destruição de empresas e de explorações agrícolas, o encerramento de serviços públicos como escolas, tribunais e qualquer dia serviços de finanças.

Só ganhámos com este jogo de enganos a consciência clara de que sem correção de más práticas e más políticas nunca nos libertaremos desta “crise” amesquinhante. Antunes Diniz – Portugal in “Terras da Beira”

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