Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Galiza - Concordâncias e discordâncias

Publicava no fim agosto, o PGL umha pequena crónica de J. C. da Silva sobre os sotaques do Brasil, que acabou por provocar um inesperado turbilhom de intervençons sobre a unidade do português internacional e a pertinência da normativa AO90. A viveza da argumentaçom cruzada revela mais umha vez a existência de suscetibilidades enfrentadas em volta das identidades portuguesa e brasileira e de discrepâncias significativas quanto à pertinência do acordo ortográfico.

A amplitude do debate confirma a complexidade do arquipélago lingüístico do português internacional, ao qual pertencemos, digam o que dixerem os aduaneiros dos foros de concertaçom constituídos. Em resumo, as diferenças manifestas reduzem-se à disjuntiva que separa os partidários da convergência, ou mesmo da fusom dos formatos ortográficos existentes, dos partidários da manutençom das peculiaridades nacionais abonadas polo uso e o reconhecimento social.

Achei estimulante o debate, incluída a paixom que lhe serviu de tempero, sem a qual, as polémicas correm risco de degenerar em aborrecido recital de monólogos. Os debates agradecem o corpo a corpo, sempre que preservados os limites do confronto civilizado. Pessoalmente, participei no troco de opinions mormente acerca da questom do tempero ortográfico do galego. Sustenho a opiniom, que já tenho expressado algumha outra vez, que o nó do conflito que o galego defronta assenta na dialética da harmonizaçom dos persistentes hábitos da comunicaçom escrita com as exigências da sua homologaçom com o seu padrom internacional.

Considero oportuno separar a questom ortográfica do galego, assunto da nossa estrita incumbência, da polémica levantada polo AO90, que afeta principalmente Portugal e o Brasil, e também aos países africanos de língua portuguesa. Um galego cultivado nom tem especial dificuldade em navegar polas diversas variantes do idioma, de Zeca Afonso a Cesária Évora, para entender-nos. A tarefa prioritária deveria ser para nós a difusom do uso do português na Galiza – processo felizmente em andamento através das EOI e em breve, talvez, da ILP Paz-Andrade – junto com a promoçom do imperativo de homologaçom internacional do nosso idioma. É altamente duvidoso que misturar ambos propósitos com a polémica AO90 poda contribuir a difundir este duplo imperativo. A genuína norma Agal é um excelente formato, simultaneamente próprio e aberto.

A heterogeneidade do português internacional nom impede umha razoável intercompreensom entre as suas variantes. Confesso, seja como for, a minha preferência pola solidez do formato gramatical da variante portuguesa e a claridade da dicçom angolana e brasileira. Declaro também o meu desgosto pola mania de acumular galicismos e anglicismos no português com o subseqüente abandono do acervo lingüístico tradicional. Um processo que só contribui a esbater a expressividade da língua tradicional. Quanto mais expressiva a sentenciosa fala do camponês que a insolente pirotecnia do locutor televisivo, vetor de todos os vírus que adoentam o idioma!

Em questons de língua declaro-me conservador convicto e adiro à ética da “exceçom cultural”, esgrimida polos franceses para tentar defrontar a enxurrada anglo-saxónica. A língua evolui, certo, mas, o que tal processo demanda é umha resoluta política de promoçom de neologismos congruentes – infantário, escola maternal, melhor do que creche, para entender-nos – a menos que optemos por um modelo de idioma robocop onde as próteses predominem sobre o tecido natural.

Voltando ao debate devo confessar a minha aberta simpatia pola substância e também pola desenvoltura argumental praticada polo professor Venâncio em defesa das suas opinions. É bom falarmos ao direito como antídoto à vácua retórica com que nos maçam a diário próceres, políticos e comentaristas.

Nom podo concordar polo contrário com o saibo de desdém que creio perceber nas opinions do professor com o reintegracionisno como movimento oposto ao galego subsidiado e ministrado polas instituiçons oficiais. Nom parece justo concordar com posiçons pouco sensíveis com a disjuntiva de achegar o galego ao tronco comum ou tolerar a sua amável diluiçom num processo de eutanásia subsidiada.

Os galegos conscientes do mencionado repto nom podemos esquecer o oferecimento de Rodrigues Lapa de reabilitar a língua assediada mediante o “português servido em salva de prata”. O catalám, carente para a sua desgraça de referências lingüísticas internacionais, reage ao seu declínio com vigorosos programas de imersom educativa. O galego enquanto contenta-se com inocentes jogos florais oficiados polos encarregados da sua revitalizaçom. Há na RAG excelentes especialistas em literatura espanhola; a portuguesa, ao contrário, nom está na moda na douta instituiçom. Pode mesmo pontuar em contra do aspirante a prócer no precetivo cursus honorum a percorrer.

Reconhece o professor Venâncio a existência de excelentes lexicógrafos, didáticos, historiadores e sociolinguistas nas filas do reintegracionismo embora lamente a falta de gramáticos. Quanto a isso, aos reintegracionistas de amplo espetro vale-nos o professor Freixeiro Mato, cujos compromissos cívicos parecem ter-lhe vedado o acesso a qualquer sólio oficial. Incluiria também no meu círculo privado de valedores do nosso fatigado idioma o professor Venâncio, que bem poderia aspirar a herdar a sede vacante de Rodrigues Lapa. O seu sólido conhecimento do idioma e da sua história e o patente compromisso com a problemática do galego vivo justifica a candidatura.

Laboram os foros da lusofonia em ativo na necessária cooperaçom entre as diversas variantes do idioma ou estám incapacitados de raiz pola sua servidom à trapalhada politiqueira do MIL como o professor Venâncio opina? Declaro-me incompetente ante este dilema embora deva manifestar sérias reservas quanto à primeira opiniom e encontre em excesso radical a desqualificaçom que incorpora a segunda.

Tugas contra brasucas quando na Galiza contamos já com algum brasilego e mesmo algum angolego declarado? Bom, reconheçamos que o problema que o nós defrontamos é prévio às brilhantes escaramuças transatlânticas. Transitar da extravagante indumentária ortográfica do nosso idioma à ortografia internacional exigida polos tempos é o nosso problema específico e intransferível.

E agora, se me desculpam, gostaria de reincidir na tentaçom de descrever o mapa topográfico das incertezas ortográficas que o galego defronta. Em essência, podemos reduzir a três os paradigmas em pugna polo futuro ortográfico do galego: o galego hipo-grafado ou demótico, o galego orto-grafado ou agálico e o galego hiper-grafado ou lusista. Os contendentes na briga aduzem razons filológicas em apoio das respetivas posiçons embora saibamos que a sua índole é eminentemente política. Ensaiemos daquela um mapa topográfico mais preciso: galego infra-nacional ou regionalista, galego nacional e galego internacional. Escusado insistir na minha preferência pola opçom central da tríada, embora deva reconhecer-lhe um sério inconveniente: a de requerer um processo concomitante de construçom nacional para a sua posta em prática. Um oneroso expediente do qual estám dispensadas as outras duas posiçons polo facto de disporem de modelos próprios prontos a usar.

Processo de construçom nacional: palavras maiores, amigos. A lendária lentidom do aludido processo, que conduz “da província a naçom”, aconselha procurar refúgios transitórios. Reconheço que a minha proposta particular pode ser qualificada de oportunista. Consiste simplesmente em aproveitar qualquer nicho de expressom em galego com independência da norma ortográfica exigida no foro. A postura compensa sobejamente o seu défice de heroísmo com a sua manifesta operatividade. Se estamos impedidos de eleger formato, mantenhamos em todo o caso a capacidade de intervençom. É umha regra elementar da prática partisana.

De resto, a variante ortográfica nacional por mim preferida, apesar de carecer dos santos óleos que só o poder ministra, também nom está proscrita no país. Permitam-me aduzir um modesto argumento privado. Em apenas um mês defenderei na Universidade de Santiago a minha tese doutoral redigida em galego orto-grafado nacional sem que tal facto tenha suscitado qualquer impedimento apesar de o júri ter um certo sabor inter-nacional.

Você, caro professor Fernando, conhece a fábula da raposa das mil manhas e o ouriço que apenas possuía umha mas muito bem apreendida. Aos adeptos ao reintegracionismo toca-nos oficiar de resistente ouriço transeunte porque cremos conhecer o caminho. As discrepâncias no ritmo de marcha empreendida som de menor importância, embora nom irrelevantes. Uns gostam de tatear o caminho a percorrer e outros de imaginar o seu final. Quanto ao inevitável cansaço que ameaça o corredor de maratona, declaro-me imune. Simplesmente, acredito no aforismo clássico ars longa, vita brevis. Conjugar arte com vida é património da idade.

O galego precisa de umha vigorosa imersom no português. O ativismo lingüístico que promove tal estratégia agradece toda cumplicidade na tarefa embora deva proclamar a improvável desistência no empenho. A defesa da soberania cultural da Galiza está forjada na ética da resistência.

De passagem, gostaria de transmitir umha ligeira suspeita acerca das eventuais cumplicidades internacionais que podam advir ao processo de reintegraçom: procederám mais provavelmente da beira transatlântica do idioma que dos seus territórios próximos, A razom estriba na distância geográfica a Madrid, essa metáfora política que todos compreendemos.

Traduçons incompatíveis do português para o português segundo procedência de texto e leitor? Reintegracionismo em crise permanente? Manifestaçons apenas da ebuliçom do idioma partilhado e diverso, sujeito a defrontar o incerto século que nos acolhe.

Desculpem, amigos, onde é que deixáramos as nossas discordâncias? Penso que foi nos detalhes, esse lugar marginal, onde, nom obstante, Mies van der Rohe colocava o próprio Deus. Joám Facal – Galiza in “Portal Galego da Língua”

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