Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Internacional – O dia de amanhã

Afinal Não Sou um Peixe

Barcelona, 2015. São 15:35. Desço calmamente as escadas da estação de Joanic, no bairro de Gràcia. Atravesso a plataforma manchando o silêncio com o eco dos passos e, enquanto aguardo a chegada do metro, procuro o telemóvel no bolso do casaco. “É quinta-feira e quero ver os comentários da crónica lá no Rede Angola.” Já agora: Facebook. E-mail. Whatsapp. O metro entra na estação, com um ruído que absorve as poucas conversas que se ouvem num catalão perfeito. Guardo o telemóvel no bolso, entro no vagão antes do apitar das portas. Não encontro lugar para me sentar. Nesse momento, olho à minha volta e, assombrada, deparo-me com uma imagem do futuro: a morte da utopia tecnológica.

Faço contas rápidas de cabeça. Se estavam naquela carruagem umas 40 pessoas, pelo menos 30 se encurvavam sobre o seu smartphone, como quem se encurva sobre o seu próprio mundo. As outras 10 liam ou dormiam. Ninguém conversava com o vizinho do lado. Reparei até mesmo numa família de ar tradicional – pai, mãe e filho adolescente estavam cada um no seu universo paralelo, conectados a algum lado, embora, certamente, separados entre si. Não os ouvi falar durante todo o trajecto.

Os olhos dos passageiros pareciam vidrados. O polegar deslizava pelo ecrã no eterno scroll do aborrecimento, preenchendo a espera da viagem, procurando um estímulo, uma gargalhada, uma resposta, uma companhia. Miradas que suplicam: “Entretem-me.” De vez em quando, alguém levantava a cabeça, no gesto súbito de quem precisa respirar depois de um mergulho profundo. “Afinal não sou um peixe.” Um peixe que toca com a boca nas paredes de vidro do aquário e só vê o seu próprio reflexo.

A Rede. Supõe-se pelo nome que nos conecta, que nos informa, que nos aproxima. Li algures que grande parte da vida social dos jovens (os jovens daqueles lugares do mundo onde não falta luz, nem água e toda a gente usa a internet) se passa nas redes sociais. Não usá-las é, nestes casos, como ser invisível. Não existir. Muitos de nós, leitores deste jornal e frequentadores assíduos do Facebook, estamos na mesma situação. Alimentar a nossa existência virtual tornou-se num imperativo e, acima de tudo, numa fonte de ansiedade.

O Vício. A falta de educação. Notificações que interrompem conversas cara a cara. Porque o Whatsapp não pode esperar. A sua natureza é imediata, é agora se não caduca. “Desculpa, é rápido.” A presença física perde para a concorrência virtual, muito mais estimulante, muito mais compensadora. “Para quê focar-me nos olhos de quem tenho em frente se no ecrã do tablet tenho tudo? Preciso saciar esta fome de tudo.”

Na carruagem-aquário do metro de Barcelona, oiço o anúncio da minha estação: Jaume I. A tal família, que descubro agora ser francesa, também vai sair aqui. “Allons-y!” E vamos. Caminhando entre desconhecidos, aumentando ao mesmo tempo a velocidade da ligação e a distância entre nós, cultivando a apatia, a dispersão, a exaustão e a ilusão de progresso do maravilhoso mundo contemporâneo hiperdigital. Aline Frazão – Angola in “Rede Angola”

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