Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Angola - Lisboa, a africana

Eis a minha razão para escolher Lisboa como base. Debaixo daquele sol, a vida consegue ser menos dramática. O sol tem esse efeito, nos faz sentir menos exilados. Estou em Amsterdão, a abraços com uma primavera tardia. Se estivesse em Lisboa, estas palavras seriam escritas numa esplanada e com os olhos postos numa das colinas cartão-postal: a Graça ou Santa Catarina. Debaixo de um guarda-sol, e com as mãos viajando entre a imperial e o caderno, sob o olhar atento, ainda que distante, do Cristo Rei. Preso, de livre e espontânea vontade, a este pequeno oásis que identificamos por Lisboa. Perguntem aos reis da Kizomba, que se mudaram para Lisboa recentemente, se não poderíamos viver sempre assim, desde que não nos faltasse o sol e a imperial. A felicidade poderia ser isso, quem se atreveria a dizer o contrário? As esplanadas desta cidade mais se parecem com um encontro das Nações Unidas, tantos são os sotaques e idiomas diferentes que se fazem ouvir.

Lisboa é a cidade que escolhi chamar de minha, me chamou para si e só agora começo a perceber o que quer de mim. Quem lhe conhece, sabe – Lisboa dá-se lentamente, esconde-se, é tímida, reservada. Consegues ser estrangeiro para o resto da tua vida, ao contrário de cidades como o Rio de Janeiro, que te rouba a nacionalidade original e te faz carioca ao fim de poucos anos de residência, um básico domínio do português e a predisposição para aprender a sambar, mesmo que tal nunca venha a acontecer. Mas vale o gesto. Para mim, Lisboa é casa, principalmente pelo facto de ter negros à minha volta. Não escondo que me sinto menos confortável em cidades onde, ao passar pelas ruas, conte os negros pelos dedos. Adoro Copenhaga, por exemplo, mas não me imagino a viver naquela cidade, é difícil não me sentir ave rara naquele poleiro. Já Paris, Londres ou Nova Iorque são cidades extremamente convidativas. Por me sentir menos observado, e por não levar o rótulo Pós-Negritude, que geralmente é associado àqueles cujo comportamento social os distingue dos demais negros por demonstrarem aptidões intelectuais acima da média. Bastante redutor! O rótulo “Negritude” circunscreve uma série de clichés xenófobos, surgidos na Europa do século XVIII, que tinham uma associação directa com a escravidão, e generalizações sobre coisas tão diversas como o analfabetismo, a aptidão para a dança, força física, religião, sexo, comida, violência, ira, preguiça, gentileza, comédia, música, ignorância ou uma sabedoria ancestral ligadas ao misticismo.

Deambulando pelas europas, e à medida que vou articulando melhor a minha própria negritude aqui por estas bandas, me apercebo que esse conceito sofreu mutações e identifico uma poli-negritude ou hiper-negritude que está bem mais próxima daquilo que é a condição do negro e como este é visto hoje. Somos todos mestiços, economicamente, socialmente e politicamente falando. E Lisboa, a africana, é a cidade que acolhe melhor essa transformação. Kalaf Epalanga – Angola in “Rede Angola”

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