Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

‘Nós, poetas de 33’: uma coletânea imperdível

                                                           I
Foi Fernando Mendes Vianna (1933-2006), poeta nascido no Rio de Janeiro, quem teve a ideia de organizar uma antologia com poetas brasileiros nascidos em 1933 e passou-a a Joanyr de Oliveira (1933-2009), que de pronto a aceitou. A princípio, eles iriam organizá-la juntos, mas não se sabe até que ponto Mendes Vianna chegou a trabalhar nela, antes que fosse visitado pela indesejada das gentes, como diria Manuel Bandeira (1886-1968). Assim, a tarefa passaria para os ombros de Joanyr de Oliveira, que, se levaria a cabo a missão, escrevendo-lhe até a nota introdutória, igualmente não conseguiria vê-la impressa.

O próprio Joanyr de Oliveira chegou a encaminhar os originais ao editor Victor Alegria, que assumira o compromisso de publicar o livro diante do corpo sem vida de Mendes Vianna. Colaboraria na edição o poeta Anderson Braga Horta, nascido em 1934, mas “amigo de todos os poetas e o maior dentre todos nós que nos tornamos brasilienses”, no dizer do organizador.

Depois desses percalços, Nós, poetas de 33, de Joanyr de Oliveira, sai agora com apresentação de Kori Bolívia, presidente da Associação Nacional de Escritores (ANE) de 2012 a 2014, e três textos sobre a poesia de Mendes Vianna e um apêndice sobre a vida e a obra do organizador da coletânea.  Da obra ainda faz parte uma fortuna crítica com a opinião de críticos sobre livros do organizador, com destaque para o que diz José Louzeiro (1932) a respeito de O grito submerso (1980). Segundo Louzeiro, os versos “Demônios são anjos/ nas arcadas da ventania” só poderiam partir da concepção de um mestre, pois lembram os de Camilo Peçanha (1867-1926) e Mário de Sá-Carneiro (1890-1916).

Se são muitos os poetas brasileiros nascidos em 1933 (uma relação neste livro lista pelo menos 67), a coletânea preparada por Joanyr de Oliveira selecionou 13, que, com certeza, estão entre os mais representativos, embora sempre haja o risco de algum esquecimento imperdoável: Fernando Mendes Vianna, Francisco Miguel de Moura, Heitor Martins, Hugo Mund Júnior, Joanyr de Oliveira, José Jeronymo Rivera, Lupe Cotrim Garaude, Maria José Giglio, Miguel Jorge, Murilo Moreira Veras, Octavio Mora, Olga Savary e Walmir Ayala.

                                                           II
Se Joanyr de Oliveira era um poeta que pensava por imagens, ou imageticamente, como dele disse Oswaldino Marques (1916-2003), a propósito do lançamento de Casulos do silêncio (1982), tinha também o dom da palavra, inclusive no sentido bíblico, já que era um pastor evangélico de puro e sincero coração da Assembleia de Deus, fluente e inflamado, no dizer de Anderson Braga Horta, que com ele conviveu desde os primeiros anos de Brasília. É o que se pode constatar nestes versos tirados de 50 poemas escolhidos pelo autor (2003):
                        Pelas pisadas dos rebanhos
                        na quietude do outono,
                        Deus espraia o mel de sua voz.  
                       
Ouvi, ó tendas de pastores,
                        rodas de carros faraônicos,
                        eqüinos revestidos de auroras.
                        Tranças debruçadas no silêncio
                        somam-se à bondade das videiras
                        e aos cachos bailarinos da seara.
                       
No dorso intangível da solidão
                        Deus espraia o mel de Sua voz.

Sobre Mendes Vianna, há dois ensaios e um discurso de recepção à Academia Brasiliense de Letras em 1987, nos quais Braga Horta destaca o domínio do poeta sobre o verso sem medida e o seu lirismo de acento metafísico. Definido por José Guilherme Merquior (1941-1991) como poeta-pensador, Mendes Vianna é exaltado por Braga Horta também pela modernidade de seu barroquismo, o que configura um perfeito oxímoro à semelhança do “banqueiro anarquista” de Fernando Pessoa (1888-1935). Eis um rápido exemplo da qualidade da ourivesaria de poesia que Mendes Viana costumava exercer:
                        Obrigado, poema, alavanca de paciência,
                        potentíssimo palimpsesto, frágil pluma,
                        pólvora de pólen que explode o pó
                        e ala o corpo e sua urna plúmbea,
                        lançando ao mar a areia da ampulheta!

                                                           III
De José Jeronymo Rivera, tradutor de poemas de autores espanhóis, argentinos e franceses, como Gustavo Adolfo Bécquer (1836-1870), Rodolfo Alonso (1934) e Aloysius Bertrand (1807-1841), há quatro poemas, entre os quais se destaca “Depois”, de Aprendizado de poesia (2004), do qual extraímos os versos iniciais:
            Depois, não lembrarás o meu carinho.
            Hás de esquecer, talvez, quem te quis tanto.
            Nem sentirás o doloroso espinho
            Da saudade, que punge mais que o pranto. (...)

De Olga Savary, contista, ensaísta, jornalista e tradutora, que integra Os cem melhores contos do século e Os cem melhores poemas do século (org. Ítalo Moriconi, 2000), cuja qualidade de poesia já foi atestada por prefaciadores do quilate de Antônio Houaiss (1915-1986), Ferreira Gullar (1930), Gerardo Melo Mourão (1917-2007), Antônio Olinto (1919-2009), Dias Gomes (1922-1999) e Gilberto Mendonça Teles (1931), a antologia reúne dez poemas, dos quais destacamos a estrofe final de “Pedido”, dedicado a Manuel Bandeira, que integra Espelho provisório (1970):
            (...) Meu velho poeta canta
            um canto que me adormeça
            nem que seja de mentira.

Esta imperdível coletânea é encerrada com poemas de Walmir Ayala (1933-1991), talvez o poeta mais premiado de sua geração, autor de uma obra extensa em todos os gêneros, tradutor para o português do poema “El gaucho Martín Fierro”, do argentino José Hernández (1834-1886), publicado pela Ediouro em 1988 e organizador da Antologia dos poetas brasileiros – fase moderna (Ediouro, 1967), com Manuel Bandeira. A título de exemplo, bastam estes primeiros versos de “Tempo submerso”, extraídos de Poesia revisada (1972):
                        O acalanto é despido da vaidade das horas
                        pois a voz desintegrou espelhos
                        onde o vento prisioneiro chorava
                       
Voz e vento partiram na noite
à procura dos astros.
Voz e vento morreram na noite.

Apenas as conchas vazias
guardaram seu último anseio (...).

                                                           IV
Joanyr de Oliveira, mineiro de Aimorés, poeta, contista, romancista, cronista e antologista, era bacharel em Direito e jornalista. Morou em Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia e em Massachusetts, Connecticut e Califórnia, nos EUA. Em 1960, instalou-se em Brasília, onde foi analista da Câmara dos Deputados, depois de haver ingressado, em 1959, no Rio de Janeiro, no quadro de revisores do Departamento de Imprensa Nacional. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da Academia de Letras de Brasília e da ANE, entidade que presidiu de 2007 a 2009.

Destacou-se como organizador de coletâneas, entre as quais Poetas de Brasília (1962), primeira obra literária editada no Distrito Federal; Antologia dos poetas de Brasília (1971); Antologia da nova poesia evangélica (1978); Brasília na poesia brasileira (Rio de Janeiro, 1982); Poesia de Brasília (1998); Poemas para Brasília (2004) e Horas vagas (contos, 1981). Conquistou mais de trinta prêmios.

De sua obra poética, destacam-se: Minha lira (1957); Cantares (1977); O grito submerso (1980); Casulos do silêncio (1982); Soberanas mitologias e A cidade do medo (Anaheim, Califórnia, EUA, 1991); Luta a(r)mada (Anaheim, Califórnia, EUA, 1992); Flagrantes líricos (Buffton, Ohio, EUA, 1993); Pluricanto — trinta anos de poesia (1996); Canção ao Filho do homem (1998 e 2000); Vozes de bichos (infanto-juvenil, 2000 e 2002); Tempo de ceifar (2002); 50 poemas escolhidos pelo autor (2003); Biografia da cidade (2005); Raízes do ser — poemas para Aimorés (2006); Antologia pessoal (2007); Memorial do sobrevivente (autobiografia e poemas, 2008); e Mensagem no outono (2009), obra póstuma, entre outros.

Em prosa, publicou O horizonte e as setas (contos, em parceria, 1967); Caminhos do amor (contos, 1985); Entre os vivos e os mortos (romance,1985); e Arquitetura dos dias (contos, 2004). Adelto Gonçalves - Brasil

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Nós, poetas de 33, de Joanyr de Oliveira (organizador). Brasília: Thesaurus Editora, 210 págs., R$ 40,00, 2015. E-mail: editora@thesaurus.com.br Site: www.thesaurus.com.br


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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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