Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 20 de fevereiro de 2016

OIT - A escravidão moderna afeta 21 milhões de pessoas em todo o mundo

Por trás destas estatísticas estão milhões de histórias humanas dolorosas. Jonas foi enganado, traficado para o Reino Unido e empurrado para um abismo. Leia a sua história

O meu nome é Jonas. Tenho 46 anos de idade e sou natural de uma pequena cidade na Lituânia, perto da fronteira com a Polónia. É difícil encontrar trabalho no meu país e ainda que você encontre é muito mal pago. Eu tinha uma dívida por causa de um empréstimo para despesas médicas para um dos meus filhos. O dinheiro era pouco.

Um dia, fui abordado por um homem chamado Mindaugas, que disse-me que poderia encontrar um emprego no Reino Unido e que me pagariam numa semana mais do que eu poderia ganhar na Lituânia num mês. Ele fez tudo parecer muito bom e disse que eu poderia ter lá uma boa vida. Foi uma decisão difícil e bastante assustadora deixar o meu país de origem, mas eu precisava do dinheiro.

Eu não tinha como pagar a passagem, mas ele disse-me que eu poderia pagar pelo transporte e alojamento assim que eu começasse a trabalhar. Eu tive que confiar nele.

Junto com uma série de outros lituanos fomos para o Reino Unido numa van. A viagem demorou mais de dois dias.

Quando chegamos fomos recebidos por um homem chamado Marijus, que nos levou para uma casa no litoral. O local era muito pequeno e com muitas pessoas vivendo lá. Eles disseram que iriam encontrar trabalho para mim e que eu teria de abrir uma conta bancária para que o meu salário pudesse ser pago.

Encurralado

Demorou um pouco até que eu conseguisse um emprego e eles diziam-me para ser paciente. Eu não tinha comida e as minhas dívidas acumulavam-se. Depois de algumas semanas eles levaram-me para uma fábrica onde preparavam-se frangos de supermercados. Não era agradável e era repetitivo, mas eu estava muito aliviado porque estava finalmente trabalhando com um salário decente.

Nas duas primeiras semanas eu fui pago com cheques, mas não na minha conta bancária. Então eu tinha que ir a uma loja onde eles descontavam para você, cobrando uma comissão, é claro!

Marijus mandou seus homens seguirem-me para que assim que eu tivesse recebido o dinheiro eles me forçassem a entregá-lo. Fiquei muito assustado e com medo de que se eu não fizesse o que eles diziam iriam-me espancar e levar o dinheiro de qualquer jeito. Eu dei a eles todo o meu pagamento da semana, cerca de 260 libras. Eles levaram 220 libras e deram-me 40 libras ‘para viver’, disseram. Eles disseram-me que eu ainda devia cerca de 1.000 libras pelo transporte para o Reino Unido, mais o alojamento e alimentação e que eu então deveria acostuma-mer com isso.

Eles cobravam-me cerca de 60 libras por semana por um quarto compartilhado com outras pessoas, dormindo no chão com três outros. Eles disseram-me que se eu não morasse na casa eu não iria conseguir trabalho. Eu estava encurralado!

Depois de algumas semanas cheguei ao meu limite. Eles estavam levando quase tudo o que ganhava. Eu estava trabalhando para nada. Esta não era a vida que me tinham prometido.

Conversámos na casa sobre o que poderíamos fazer. Dois outros homens concordaram comigo e por isso decidimos arriscar e fugir. Encontrámos um lugar diferente para viver, mas sabia que estávamos sempre em perigo porque Marijus poderia vir nos procurar.

Ele conseguiu entrar em contato comigo por telefone. Ameaçou-me, então voltamos para a fábrica do frango. Ele tinha contatos lá e certificou-se que fôssemos colocados num local em que seus homens pudessem-nos ver.

Ameaças de morte

Um dia fomos seguidos de volta para o apartamento. Marijus e os seus homens forçaram a entrada e ameaçaram-me. Começaram a vasculhar todas as minhas coisas e encontraram o que restava do dinheiro que eu tinha trazido comigo de casa. Levaram tudo e, em seguida, encontraram alguns recibos de saques que eu tinha feito da conta bancária que tinha aberto. Ficaram furiosos e exigiram o cartão do banco e o meu passaporte. Quando me recusei espancaram-me até que eu ficasse inconsciente. Revistaram o apartamento e encontraram o cartão do banco, mas eu tinha escondido o meu passaporte no meu travesseiro. Disse-lhes que tinha perdido. Não poderia desistir, caso contrário não haveria nenhuma hipótese de escapar.

Marijus um dia disse-me: “Você não veio aqui não para ganhar e poupar dinheiro, mas para produzir e depois ir.” Noutras palavras, ele estava-me dizendo que eu não era nada mais do que o seu escravo e que fui levado para o Reino Unido para ganhar dinheiro para eles e não para mim. Ele disse que se eu falasse com alguém iria desaparecer e que se eu tentasse voltar para a Lituânia que ele iria encontrar a minha família e matá-los.

Eu suspeitava, ainda, que o dinheiro que estava passando através da conta bancária que eles abriram para mim vinha da prostituição e drogas. Assim, eu decidi fechar a conta. Quando eles descobriram eu comecei a receber mensagens ameaçando a minha vida.

Resgatado

Até que um dia, na fábrica, fui entrevistado por uma mulher que disse que ela era Autoridade para Licenciamento de Agentes Empregadores – o GLA. Ela disse-me que eles estavam tentando verificar se os trabalhadores da fábrica estavam legalizados e sendo tratados e pagos corretamente. Eu não lhe disse nada naquele momento porque eu não sabia se podia confiar nela, mas depois eu liguei-lhe e contei tudo. Eles disseram-me sobre o Mecanismo de Referência Nacional (NRM) para as vítimas de tráfico. Foi então que eu me dei conta. Eu não tinha a ideia do que eu era, até que eles me explicaram: Eu era uma vítima de tráfico de seres humanos!

Eles explicaram que eu tinha sido trazido para o Reino Unido para ser explorado. Estava sendo forçado a trabalhar. Eu não tinha controlo sobre a minha vida. O tráfico de seres humanos é isso!

Logo depois, Marijus desapareceu de casa, mas eu vivia com medo de que ele um dia voltasse à minha procura.

O NRM levou-me para o noroeste da Inglaterra – a salvo dos olhos, das ameaças e das garras de Marijus. Fiquei lá cerca de dois meses e até pensei em arrumar outro emprego – um onde eu fosse pago corretamente e ganhasse como me havia sido prometido no início. Mas, eu queria sair. Eu já tinha o suficiente. Eu queria ir para casa. Eu queria estar seguro.

Espero que Marijus e o seu gangue sejam encontrados e paguem pelo que fizeram. Eles não são seres humanos. Eu queria sair deste mundo e nunca mais me sentir assim novamente. Organização Internacional do Trabalho

A GANGMASTERS LICENSING AUTHORITY (GLA)

A Autoridade para Licenciamento de Agentes Empregadores (Gangmasters Licensing Authority) trabalha para proteger os trabalhadores vulneráveis e explorados no Reino Unido, em colaboração com vários parceiros, incluindo outras agências, como a polícia, a Agência Nacional Anticrime, a administração fiscal e aduaneira do Reino Unido, bem como com o setor privado e ONGs. A GLA é um órgão independente que regula a contratação de trabalhadores nas cadeias de abastecimento na agricultura, horticultura, pesca, relacionadas ao processamento e embalagem, para garantir que as empresas respeitam a lei. A GLA realiza inspeções nas áreas de saúde e segurança, moradia, salários, transporte e treinamento, bem como seguros e pagamentos de impostos. Um fornecedor de mão de obra deve ter uma licença GLA para trabalhar naqueles setores regulados. É um crime fornecer trabalhadores sem ter uma licença ou contratar os serviços de um fornecedor sem licença.

QUAIS SÃO OS BENEFÍCIOS DO LICENCIAMENTO?

Os trabalhadores recebem um tratamento justo, remuneração, benefícios e condições de trabalho a que têm direito.

Os fornecedores de mão de obra não são prejudicados por aqueles que pagam menos do que o salário mínimo ou sonegam impostos. Os padrões da indústria para a contratação de fornecedores são altos.

Os empregadores podem verificar se seus empregados vêm de um fornecedor legítimo e são informados se a licença de seus fornecedores for revogada.

Os consumidores podem ter certeza de que seu alimento foi produzido e embalado em um ambiente ético. As atividades ilegais que conduzem a uma perda de receitas públicas são reduzidas

Saiba mais sobre o porquê regular a contratação é fundamental para combater a escravidão moderna: Iniciativa de contratação justa

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