Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

O bisonte-europeu

Esteve quase extinto nos anos 20. Hoje há mais de cinco mil animais e a história da sua evolução é invulgar. O bisonte-europeu resulta do cruzamento entre outra espécie de bisonte e o antepassado das vacas domésticas.


Há mais de 30 mil anos, as paredes das grutas de Chauvet, em Pont d'Arc, França, serviam de tela para caçadores desenharem as suas presas. Algo tão quotidiano como a caça na pré-história ficou representado também noutras grutas francesas, como Lascaux, o que agora ajudou a descobrir a origem do bisonte-europeu. E, para tal, a história e a genética juntaram-se.  

A origem do bisonte-europeu (Bison bonasus) era um mistério. Apareceu, de repente, há cerca de 11 mil anos, na mesma altura em que desaparecia o bisonte-das-estepes (Bison priscus) e a sua sobrevivência também intrigava os especialistas.


Na época do Pleistoceno (a última Idade do Gelo, período compreendido entre há 1,8 milhões e 11 mil anos), o bisonte-europeu resistiu a uma extinção causada por períodos de temperaturas muito baixas na Europa, refere uma notícia na revista Nature. E, no século passado, esteve mesmo à beira da extinção, devido à caça excessiva: em 1927, havia apenas 12 animais. Hoje esta espécie, aos poucos reintroduzida na Europa, encontra-se em manadas na natureza em alguns locais, segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF): na Rússia; no Parque Nacional de Bialowieza (na Polónia e Bielorrússia); e na Ucrânia. Ao todo, a população de bisontes-europeus é de 5500. 

Agora, a equipa de Alan Cooper, director do Centro Australiano para o ADN Antigo da Universidade de Adelaide (Austrália), encontrou a resposta para o aparecimento misterioso do bisonte-europeu, como é revelado num artigo científico na Nature.

Tudo começou com a análise de ADN de ossos e dentes de bisontes recolhidos em grutas espalhadas pela Europa, pelos Montes Urales e pelo Cáucaso — material esse que esta equipa já tinha começado a datar por radiocarbono há cerca de 15 anos. Foram usados ossos e dentes de mais de 65 bisontes, com idades compreendidas entre 14 mil e 50 mil anos. Inicialmente, em 2001, o objectivo era perceber o impacto das alterações climáticas ao longo do tempo através do estudo do bisonte. Mas a investigação mudou de rumo.

Os resultados das análises de ADN revelavam características genéticas intrigantes em alguns dos fósseis de bisonte — e que eram bastante diferentes das do bisonte-europeu, explica-se num comunicado da Universidade de Adelaide. Havia, assim, uma espécie-mistério.

“As datações por radiocarbono mostravam que a espécie misteriosa dominou nos registos [fósseis] europeus durante milhares de anos em vários pontos, e alternava ao longo do tempo com o bisonte-das-estepes, que era considerada a única espécie presente na Europa no final da Idade do Gelo”, lê-se no comunicado. “Os ossos datados revelaram que a nossa nova espécie e o bisonte-das-estepes dominaram alternadamente na Europa por várias vezes, em conjunto com grandes mudanças ambientais causadas pelas alterações do clima”, explica, no comunicado, o principal autor do estudo, Julien Soubrier, da Universidade de Adelaide.

Os cientistas australianos decidiram então contactar especialistas franceses em arte rupestre. E fez-se luz. “Quando lhes perguntámos, disseram-nos que, de facto, havia duas formas distintas de bisontes nas pinturas das grutas da Idade do Gelo. Acontece que as suas idades coincidiam com as das diferentes espécies”, diz Julien Soubrier. “Nunca adivinharíamos que os artistas rupestres tinham pintado para nós imagens das duas espécies que nos ajudariam bastante.”

Afinal, a resolução do mistério estava nas pinturas de grutas como as de Chauvet (cerca de 36 mil anos), Lascaux (cerca de 20 mil anos), Niaux e Pergouset (17 mil anos), todas em França. Há 36 mil anos, o bisonte era desenhado com cornos longos e uma corcunda mais alta. Era mais parecido com o bisonte-americano, que descende do bisonte-das-estepes. Mas há 17 mil anos, o bisonte já surgia representado com os cornos mais pequenos e encurvados para cima e a corcunda era mais pequena. Parecia-se mais com o que agora conhecemos como o bisonte-europeu.

As análises de ADN mostraram que o bisonte-europeu tinha material genético parecido com o bisonte-americano, por um lado, e com as vacas domésticas, por outro. Desta forma, os resultados apontaram para a existência de um cruzamento na Europa entre o bisonte-das-estepes e o antepassado das vacas modernas, o auroque, também ele já extinto desde 1627. Ou, nas palavras dos cientistas, houve uma hibridização entre o bisonte-das-estepes e o auroque, há mais de 120 mil anos. E foi deste bisonte híbrido que evoluiu o bisonte-europeu actual.



“Descobrir que foi a hibridização que levou à origem de uma espécie completamente nova foi uma verdadeira surpresa. Não se esperava que isto acontecesse nos mamíferos”, comenta Alan Cooper, que coordenou o trabalho. “Esta espécie dominou na tundra durante os períodos frios, sem Verões quentes, e foi a maior espécie europeia a sobreviver às extinções de megafauna.” Os mamutes-lanudos, por exemplo, não tiveram essa sorte. “Mas o bisonte-europeu moderno é geneticamente bastante diferente, porque passou por um efeito de gargalo genético de apenas 12 indivíduos nos anos 20, quando quase se extinguiu.” Teresa Serafim – Portugal in “Jornal Público”

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