Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 7 de janeiro de 2017

Portugal – Entrevista ao primeiro-ministro indiano Narendra Modi

Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, respondeu a esta entrevista por escrito ao Diário de Notícias (DN) a propósito da visita do seu homólogo português, que amanhã se inicia. Mas se as respostas, entusiastas corn António Costa e Portugal, chegaram só ontem, o processo que conduziu à entrevista foi longo, começando pela visita da embaixadora Nandini Singla à sede do jornal em outubro (ainda no Marquês de Pombal), onde ficou a saber que o jomal entrevistara em 1998 o presidente Kocheril Narayanan em Lisboa, como em 1981 a primeira-ministra Indira Gandhi (a bordo de um avião militar na índia). Pouco depois, com ajuda da embaixadora indiana, publicámos uma conversa com Ananth Kuinar, ministro dos Assuntos Parlamentares, que de passagem por Lisboa declarou que "António Costa simboliza 500 anos da relação indo-portuguesa". Ora, com o governante com raízes em Goa prestes a visitar a Índia surgiu a proposta de entrevista por correio electrónico a Modi. O OK para envio das perguntas chegou a 27 de dezembro.

Que significado tem para a Índia esta visita de António Costa, enquanto cidadão português de origem indiana?

Aguardamos com expectativa por receber calorosamente o primeiro-ministro António Costa na Índia, naquela que será uma visita de Estado. Será o nosso convidado de honra naquele que é o nosso emblemático evento de celebração da diáspora do país - o Pravasi Bharatiya Divas (Dia da Diáspora Indiana). Sendo ele uma pessoa com raízes familiares na Índia, será para nós uma honra celebrar os seus grandes êxitos enquanto líder do povo português. António Costa é um exemplo do dinamismo da diáspora indiana. Como primeiro chefe de governo de origem indiana na Europa, estou confiante de que o seu sucesso será fonte de grande inspiração para muitos outros. A visita do primeiro-ministro Costa constitui também um momento oportuno para a Índia e Portugal revitalizarem os seus laços históricos e culturais antigos e para criarem uma parceria moderna, à luz do século XXI.

Considera possível que venham a desenvolver-se relações económicas e comerciais fortes entre Portugal e a Índia?

Certamente. Penso que há vastas oportunidades para estabelecer robustas relações económicas entre a Índia e Portugal. Os nossos países partilham prioridades económicas similares: dinamização da capacidade de produção, do crescimento económico, das relações comerciais, do investimento e do emprego, bem como a melhoria das infraestruturas, dos serviços públicos, da governação e da qualidade de vida das nossas populações. As nossas respetivas vantagens e competências proporcionam consideráveis oportunidades para que as nossas empresas e negócios colaborem mutuamente. Enquanto duas democracias pluralistas e laicas que partilham valores semelhantes e uma visão comum para o mundo, ambos procuramos potenciar as nossas aptidões e recursos para reforçar a educação, tomar as nossas economias altamente tecnológicas e viradas para a inovação, prover os nossos jovens com as competências para operar uma economia do conhecimento do século XXI e melhor relacionar os nossos ecossistemas comerciais e de investimento com o mercado global. Os nossos países têm sinergias numa série de setores. É preciso explorar estas abundantes oportunidades por forma a criar uma rede de colaboração mutuamente benéfica e concretizar todo o potencial da nossa aliança.

Em que áreas considera que as empresas portuguesas e indianas poderiam cooperar mais?

A Índia encontra -se atualmente num ponto de inflexão transformador. Somos uma economia em rápido crescimento que está aberta e recetiva aos impulsos da economia global. Os nossos planos económicos são ambiciosos, quer em alcance quer em escala. As empresas portuguesas estão dotadas de experiência útil, conhecimento e competências de nicho em vários setores-chave prioritários para a Índia, tais como as infraestruturas - especialmente na área das estradas, portos e vias navegáveis interiores -, a defesa, a energia (eólica, solar e hidroelétrica), as TIC e as startups, gestão de águas e resíduos, agricultura e processamento de produtos agrícolas, cooperação marítima, cinema, turismo e hospitalidade. Podemos criar parcerias comerciais nestas áreas. De igual modo, as empresas indianas são internacionalmente reputadas nas áreas das TI, da inovação farmacêutica, da biotecnologia e automóvel, entre outras. As competências e os recursos humanos indianos, combinados com as capacidades produtivas de baixo custo do nosso país, oferecem soluções lucrativas para as empresas portuguesas. As competências e complementaridades portuguesas e indianas representam excelentes oportunidades para o estabelecimento de parcerias mutuamente benéficas em todos estes setores.

Que expectativas tem relativamente a António Guterres enquanto secretário-geral da ONU?

Em primeiro lugar, gostaria de felicitar Portugal pelo facto de um dos seus talentosos líderes políticos e ex-primeiro-ministro ter sido nomeado secretário-geral das Nações Unidas. O secretário-geral desempenha um papel importante na condução das Nações Unidas, especialmente no que respeita a manter a capacidade e a legitimidade únicas da ONU para agir em nome da comunidade internacional - a ONU tem de servir os interesses de todos os Estados membros, desde o mais pequeno Estado insular às nações mais poderosas. O secretário-geral Guterres teve uma distinta carreira enquanto primeiro-ministro de Portugal e alto-comissário da ONU para os Refugiados e nós esperamos que, sob a sua liderança, a ONU desempenhe o papel que lhe compete de promoção e preservação de uma ordem internacional justa e inclusiva.

Portugal apoia a candidatura da Índia a tornar-se membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Isso é uma prioridade para o seu governo?

Estamos muito gratos pelo apoio de Portugal à candidatura da Índia a membro permanente da ONU, num Conselho de Segurança reformado e ampliado. A Índia sempre se empenhou em fortalecer o sistema multilateral. O panorama político e económico e a realidade do mundo de hoje são muito diferentes daquilo que eram em meados da década de 1940. Instituições globais, como as Nações Unidas, têm de refletir a atual realidade global se quiserem continuar a ser relevantes, eficazes e legítimas. Os líderes mundiais já aceitaram, em 2005, que as reformas urgentes do Conselho de Segurança são um elemento essencial de qualquer esforço de reforma do sistema das Nações Unidas na sua globalidade. Nós, enquanto comunidade internacional, temos de acelerar os esforços de reforma do Conselho de Segurança.

Como é que a Índia vê a concorrência entre os EUA, a China e a Rússia?

A Índia tem laços multifacetados com cada um desses países. As nossas relações com cada um deles têm méritos próprios. Não apreciamos as relações com qualquer destes países a partir do prisma das demais relações com outros. E as nossas relações vão além dos assuntos puramente bilaterais. Como todos eles são grandes potências mundiais, também colaboramos com eles em importantes assuntos regionais e globais da atualidade. No mundo atual, em que se assiste a alterações económicas e políticas a nível global, as alianças entre nações, especialmente entre países importantes, têm por objetivo tomar a rédea de múltiplos caudais de oportunidade e amenizar problemas complexos e interdependentes. Na Índia, o nosso foco é potenciar a política externa em prol do nosso desenvolvimento económico e facilitar a transformação em curso. Qualquer país que possa contribuir para este processo é bem-vindo como parceiro.

Quais são as perspetivas para a economia indiana nos próximos tempos?

A Índia é, de entre as principais economias mundiais, a que regista maior crescimento atualmente. A nossa economia cresceu 7,1% e 7,3% no primeiro e segundo trimestres, respetivamente, do ano fiscal 2016-2017. Convidamos os nossos parceiros internacionais, como Portugal, a fazer parte da nossa história de crescimento económico, para beneficio mútuo. Salvaguardar o crescimento económico e um desenvolvimento célere, melhorar constantemente a facilidade de fazer negócio e a contínua liberalização da economia são as principais prioridades do nosso governo. Liberalizámos o IED [Investimento Externo Direto) em vários setores, incluindo no das telecomunicações, da defesa, o ferroviário, o dos seguros, do turismo e hospitalidade, das energias renováveis, entre outros. A Índia é hoje em dia a economia mais aberta ao IED em termos globais. O nosso objetivo é tomar a Índia um centro de produção global através do nosso programa Make in Índia, enquanto outros programas, como o Skill Índia, Digital Índia, Startup Índia e Smart Cities, visam criar um ambiente favorável a atingirmos os objetivos de desenvolvimento que traçámos. A rápida aplicação do imposto sobre bens e serviços vai simplificar e instaurar um regime tributário uniforme em todo o país.

Qual é a fórmula adotada na Índia para o combate à pobreza?

Penso que a Índia tem quer a vontade quer a capacidade para lutar contra problemas de desenvolvimento complexos, interdependentes e enraizados, como é o caso do desemprego, da pobreza e da iliteracia. O crescimento económico acelerado é essencial para criar oportunidades, mas é igualmente importante que haja uma distribuição dos frutos do crescimento entre todos. Estes desafios exigem uma resposta integrada. Adotámos numerosas medidas socioeconómicas que respondem a estes problemas a vários níveis e transversalmente em todos os estratos da sociedade. Melhores condições de saneamento, de habitação, de acesso ao fornecimento de energia e de prestação de cuidados de saúde focados nas mulheres e nas crianças, prósperas comunidades rurais e uma Índia física e digitalmente conectada é a nossa meta. Lançámos medidas como o seguro de colheitas, a microirrigação e esquemas de conectividade digital e física. Através do nosso programa de inclusão financeira, Jan Dhan Yojana, abrimos 220 milhões de novas contas bancárias para pessoas em situação de pobreza visando a integração daqueles que, até então, têm sido excluídos. O nosso programa de emancipação de género e de apoio às crianças do sexo feminino (Beti Bachao Beti Padhao) já começou a produzir resultados. Nos últimos dois anos e meio, conseguimos fornecer gás de cozinha ecológico e em condições de segurança a mais de 15 milhões de famílias pobres. Acredito que capacitar as pessoas, dando-lhes aptidões, literacia digital e contacto com a tecnologia, a par de administrações isentas de corrupção, são fatores críticos para lutar contra a pobreza. Os nossos esforços para formar a juventude indiana, dar acesso ao crédito a pequenos empresários, inclusão financeira para todos e apoio ao pequeno agricultor visam habilitar as camadas mais vulneráveis da sociedade, de modo que o seu avanço funcione como uma força multiplicadora para o nosso desenvolvimento. Usámos a tecnologia para superar algumas das dificuldades de desenvolvimento que existiam, melhorando a governação e fornecendo serviços de maior qualidade à população. A nossa recente decisão de desmonetização visa reprimir a economia paralela e combater a corrupção, para que os ganhos resultantes possam ser redistribuídos entre os mais necessitados. Com vontade coletiva e as fortes medidas adotadas pelo meu governo, estou confiante de que a Índia pode dar passos gigantes para debelar a pobreza. Leonídio Ferreira – Portugal in “Diário de Notícias”   


Narendra Modi é primeiro-ministro da Índia desde maio de 2014. O seu BJP (nacionalista hindu) governa com maioria absoluta. Nasceu em 1950 em Vadnagar, no estado do Gujarate. Foi ministro-chefe do Gujarate entre 2001 e 2014. Elogiado pelo desempenho económico do Gujarate durante a década em que chefiou o estado, Modi obteve uma vitória expressiva nas legislativas Indianas de há dois anos com a promessa de relançar a economia nacional. Conseguiu no ano passado que o seu país crescesse mais até do que a China. Perante aqueles que o criticam pela ideologia nacionalista hindu do partido, costuma responder que a Índia é uma democracia e que a prioridade do governo é desenvolver um país com 1250 milhões de habitantes.

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