Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Portugal – Língua morta

Happy new year”, “merry christmas”, “player”, “CEO”, “chairman”, “trading”, “management”, “inside information”... O que é que estas palavras têm em comum? Elementar, caro Watson: Pertencem todas à família inglesa e entraram no léxico do nosso dia-a-dia, não obstante termos expressões equivalentes em português que não usamos.

Há uns 30 ou mais anos as pessoas gozavam com os emigrantes, quando eles misturavam um francesismo qualquer no meio de uma frase. Achavam isso piroso e exibicionista. Hoje, desde os nossos políticos aos empresários, jovens e assim-assim, quase todos de uma maneira geral usam e abusam de expressões em inglês, matando, aos poucos, a riqueza linguística do português.

A coisa é mais séria do que possa parecer. Só na última década desapareceram mais de 100 línguas e, segundo dados da UNESCO, um idioma morre a cada 14 dias. Cerca de dois ao mês. A edição brasileira do El País dá-nos conta de que em Novembro foi assassinada na floresta peruana a última mulher falante de resígaro, uma das 43 línguas da Amazónia. No verão passado, com 88 anos, morrera o último falante de awu laya, uma língua aborígene da Austrália. Para além dos 100 idiomas desparecidos nos últimos 10 anos, outros 400 encontram-se em situação crítica e 51 são falados apenas por uma única pessoa. A este ritmo, ainda segundo a UNESCO, metade das sete mil línguas e dialectos actualmente falados no mundo vão desaparecer até final do século.

Uma língua, sabê-lo bem, é mais que uma forma de comunicação. É toda uma cultura que lhe está associada e se expressa através do respectivo idioma. O inglês de hoje é o latim da idade Média, como antes fora o Grego, duas línguas mortas, apesar da importância e centralidade que desempenharam. Um dia sucederá o mesmo ao inglês. Não obstante, como sublinha a este respeito o linguista britânico, David Crystal, ter nascido com a internet e todas as plataformas nela existentes, uma espécie de novo idioma, que ele chama de “Netspeak”.

A coisa também pode ser vista pelo lado mais jovial e até com sentido de humor. Vejam o caso do jovem português, Luís Santos, que há três anos criou um Blog (“Portuguese sayings”), no qual traduz literalmente para inglês todos os provérbios portugueses! Não confirmei se este lá está, mas fica o exemplo: Já viram a barrigada de riso que deve dar a um londrino ler “if you don´t doors well, you are here you are eating”, como quem diz, “se não te portas bem, estás aqui estás a comer”. Nem os Monty Pythom!

Target”, “core business”, “gadgets”, “spot”, “dowsizing”, “outsourcing”, “budget”, entre muitas outras expressões entraram no nosso dia-a-dia e fazem parte da comunicação quotidiana. Reparem neste exemplo, retirado de uma entrevista dada pelo director do The Lisbon MBA, Paulo Soares, publicada a 27 de Dezembro, no Observador: “E Trump já disse uma coisa e o seu contrário sobre a tributação do carry, que é na verdade o que preocupa os venture capitalists e toda a indústria de private equity”. Perceberam?... E ainda falam da futebolização na política.

Uma língua é como as camisas: quando as deixamos de usar acabam, mais tarde ou mais cedo, por serem deitadas fora e esquecidas. A este ritmo de desprendimento pelo português, ele tornar-se-á, a prazo, numa raridade, quiçá apenas falado por um qualquer pastor da serra da Malcata ou do Gerês. As universidades, ao contrário do passado, já não são - há sempre excepções - as principais guardiãs da língua, sobretudo se esta não estiver na moda ou não for hegemónica. Logo, menos rentável. Numa coisa a tradição ainda se mantém: há heranças que continuam a desbaratar-se. João Figueira – Portugal in “Jornal Tribuna de Macau”

João Figueira - Professor de Jornalismo da Universidade de Coimbra

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