Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Galiza – O poeta inventor

Madrid, 1936. Alejandro Finisterre, um jovem galego oriundo de um povoado chamado Finisterre, do latim finis terrae, o fim da terra, deambula pelas ruas da cidade e presente que seus desejos talvez estejam a ponto de serem atendidos. Alguma vez sonhou ser um grande arquiteto e somente chegou a trabalhar de pedreiro, mas sua verdadeira vocação é a poesia. Consegue um emprego que o faz feliz e de alguma maneira se aproxima a esse universo boêmio dos artistas que admira: cadete em uma imprensa. Considera-se um idealista prático, uma espécie de anarquista pacífico que aspira viver, algum dia, em um mundo no qual os homens não necessitem ser governados por nenhuma autoridade. Nesses sonhos se deliciava quando estalou na Espanha a Guerra Civil.

Uma bomba caiu na casa em que vivia e se viu preso debaixo dos escombros. Ferido, foi então transferido para um hospital em que convalesceu, coxo e com problemas respiratórios durante um longo tempo. Assim, foram chegando refugiados de guerra, mulheres e muitas crianças mutiladas que ativaram sua sensibilidade de poeta. Anos mais tarde, em 2004, contou para um jornalista do jornal ‘La Vanguardia de Barcelona’ o episódio de sua vida que aqui recordamos.

“Era o ano de 1937 e eu gostava de futebol, mas estava coxo e não podia jogar… E, acima de tudo, me doía ver aquelas crianças também coxas, tão tristes porque não podiam jogar bola com os outros meninos. Então pensei: se existe o tênis de mesa também pode existir o futebol de mesa! Consegui então umas barras de ferro e um carpinteiro basco ali refugiado, Javier Altuna, tornou os bonecos de madeira. A caixa de madeira a fez com madeira de pinho, acredito, e a bola com boa cortiça catalã, aglomerada. Isso permitia um bom controlo da bola, pará-la, imprimir efeitos…”.

Com todo acerto, o jornalista catalão Victor Amela observou que inventar um jogo que consiga neutralizar por um momento a ignomínia da guerra é como compor um poema com o espaço e tempo.

Não foi o pebolim (matraquilhos), como chamam o futebol de mesa, a única invenção sensível do poeta: em uma ocasião, apaixonado por uma pianista, inventou-lhe um artefato que permitiria manusear as partituras somente acionando um pedal.

Ao acabar a guerra e fugindo do franquismo, Alejandro se exila na França. Mais tarde sobre quatro anos de cativeiro no Marrocos e, uma vez libertado, empreende uma aventura americana e cruza o Atlântico. No Equador funda uma revista, “Poesia Universal”. Vive um tempo na Guatemala, onde aprimora seu pebolim e cria um basquete de mesa, sem grande sucesso. No México participa da intensa atividade intelectual na capital, se encontra com seu referente espanhol, o poeta León Felipe, convertendo-se em seu testamentário. Regressa para Espanha nos anos setenta. Já é agora um exitoso editor e se faz chamar Alejandro Finisterre, fim da terra, princípio da vida.

Sempre minimizou a importância de haver sido o inventor do mundialmente difundido pebolim: “Ah, se eu não o tivesse inventado, outro inventaria”. Considerava, como Jean Cocteau, que “a poesia sempre é necessária, não sei para que, mas é necessária”.

Morreu em 2007, quando as crianças do mundo já trocavam seu invento por jogos digitais. O poeta celebrava. “Eu acredito no progresso: existe um impulso humano rumo à felicidade, a paz, a justiça e o amor, e esse mundo um dia chegará!”

Nós, que junto a tantas outras gerações, fomos beneficiados diretos desse esplendido jogo que é o pebolim, fruto da sensibilidade daquele poeta, deveríamos prometer em sua homenagem, cada vez que o joguemos, respeitar e fazer respeitar sempre aquela regra, que mais que uma regra é uma obrigação moral, de que não vale macetes. Fabián Mauri – Argentina in “Un caño” tradução “Liberto”

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