Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Angola - Música angolana em Portugal: um caso de estudo

Sensivelmente por volta da década de 1980, a música angolana começou a entrar “em força” em Portugal, por via das muitas discotecas africanas que foram surgindo, principalmente em Lisboa, e também dos muitos artistas da lusofonia que demandaram a antiga Metrópole para prosseguirem as respectivas carreiras. Se nessa altura muitos cabo-verdianos já lá estavam há largos anos, a maior parte dos músicos angolanos viu-se obrigada a emigrar muito por força da guerra civil no país, tal como fizeram alguns compatriotas seus. O movimento tornou-se mais intenso em finais da década, sendo um dos seus grandes protagonistas Eduardo Paím, co-fundador em Angola da banda SOS, que tanto sucesso fez no início da década, disputando a simpatia e a atenção da juventude estudantil luandense com o Afra Sound Stars.

Antes desse movimento, de música angolana Portugal conhecia muito pouco. Praticamente só o N’gola Ritmo e Lourdes Van-Dúnem, que fizeram uma aparição na RTP em 1964, numa acção de propaganda política salazarista para vitoriar o luso-tropicalismo, e o duo Ouro Negro, que se radicara em Portugal mais. Outra referência do período anterior à Independência era o incontornável Bonga (Barceló de Carvalho), ele que fora atleta de topo no Benfica de Lisboa, clube que representou de 1966 a 1972, tendo sido a 16 de Setembro de 1969, em Atenas (Grécia), recordista de Portugal dos 400 metros, com 47,02 segundos. A passagem pelo atletismo rendeu-lhe alguma simpatia enquanto músico mas aos portugueses daquele tempo pouco ou nada dizia.

O boom da música angolana e, de certo modo, africana da década de 1980 deve-se em grande medida à diáspora lusófona para a qual editoras “especializadas” em música africana e as generalistas dirigiam os seus produtos. Nesta senda estiveram na vanguarda Gravissom, Valentin de Carvalho e Sonovox, entre outras, que ajudaram a divulgar a Música Popular Urbana de Angola (MPUA). A RTP África e a RDP África juntaram-se ao esforço de divulgação. Ainda assim, todo essa agitação visava apenas os emigrantes africanos, especialmente angolanos.

Há quase uma década, entretanto, o público-alvo da música angolana em Portugal começou a mudar, muito por força das modernas tecnologias de informação e comunicação. A Internet, com toda a sua panóplia de ferramentas, apresentou de forma diferente a música angolana a Portugal, que a aceitou sem preconceitos. Desse modo, a música angolana deixou de ser consumida apenas pela diáspora africana, entrando também em salões e casas portuguesas com certeza. O fenómeno começou timidamente mais ou menos na segunda metade do primeiro decénio do século XXI e ganhou força incomensurável no princípio da presente década.

A música angolana entrou com força tal em lares, discotecas e salões portugueses que a actual geração de jovens conhece e venera – não há exagero algum neste substantivo – alguns nomes da nossa música. Um dos nomes mais cultuados é o de Anselmo Ralph que, curiosamente, nunca ganhou nenhuma edição do “Top dos Mais Queridos”, o mais emblemático concurso de música do país. Só que, ao optar pela world music, conquistou literalmente a juventude lusitana. De sorte que quando sobe ao palco os suspiros femininos que grassam pelas geralmente abarrotadas plateias não apenas de angolanas ou africanas mas também de portuguesas. Entre os seguidores do autor de “Dor de Cupido” (2012) não há exclusivamente raparigas se esgoelando enlouquecidamente. Há também rapazes que durante os shows acompanham as músicas cantando com a alma e, em alguns casos, inclusive chorando.

Mas Anselmo Ralph, cuja aparência física muito lhe favorece – indubitavelmente tem pinta de galã, como dizem os brasileiros –, não é o único reverenciado. C4 Pedro também integra a lista, onde ainda cabem Matias Damásio e o show-man Yuri da Cunha. Tanto é assim que neste Verão europeu constam de vários elencos de festivais musicais que se realizam um pouco por todo o Portugal. E não foram escolhidos apenas para agradar a considerável diáspora angolana, composta por muitos alunos que neste momento até estão de férias e na terra-mãe. São convidados porque já fazem parte dos “eleitos” da juventude portuguesa.

Curiosamente, em tempos mais ou menos recentes Angola já teve exímios músicos radicados em Portugal, mas sem o sucesso dos actuais “ícones” junto dos portugueses. Falamos, por exemplo, das bandas Afra Sound Stars, cujos elementos viveram durante algum tempo na região autónoma dos Açores, e do Semba Masters; de Waldemar Bastos e Paulo Flores, que também andaram muito tempo em Lisboa; de Ângelo Boss e de Dom Kikas... só para citar estes exemplos. Bem que tentaram, mas nunca saíram definitivamente dos salões e discotecas angolanas e africanas. E não foi por falta de talento ou por interpretarem músicas de raiz marcadamente angolana. Na verdade, talento é que não lhes falta.

No caso dos “ícones” angolanos da actualidade em Portugal, a surpresa pelo êxito é tanto maior na medida em que qualquer deles sequer precisou de viver em Portugal para se fazer conhecer por lá com as suas músicas. Todos vivem em Angola e só lá vão para actuações pontuais. Decididamente, este é um caso de estudo que nem o boom migratório português para Angola depois da crise económica mundial de 2008 ajuda a explicar. Este é, pois, um caso que devia ser dissecado por sociólogos, uma vez que ultrapassa a nossa modesta compreensão. Silva Candembo – Angola in “Correio Angolense”

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