Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

domingo, 20 de maio de 2018

Macau - Dóci Papiaçám di Macau, um encontro de culturas

O Centro Cultural de Macau abriu portas este sábado e domingo para a produção do grupo de teatro Dóci Papiaçám di Macau, “Qui di Tacho? (Que é do Tacho?)”. A peça foi seguida da projecção de um vídeo musical que assinala os 25 anos da companhia de teatro macaense



Este ano Macau foi eleita Cidade Criativa da UNESCO em Gastronomia, portanto, para o grupo de teatro Dóci Papiaçám di Macau, “Qui di Tacho? (Que é do Tacho?)” “fazia todo o sentido abordar essa matéria”, explicou ao Ponto Final Miguel de Senna Fernandes, fundador do Dóci Papiaçám di Macau, autor e encenador das produções do grupo. Um vídeo musical, da autoria de Sérgio Perez, evoca no final do espectáculo os 25 anos da companhia de teatro macaense, que estreou a sua mais recente produção este fim-de-semana, no Centro Cultural de Macau, no âmbito do XXIX Festival de Artes de Macau.

“Compreende-se o valor turístico que isto pode representar para a RAEM, é uma oportunidade de ouro, que os turistas possam provar a bela comida que se prepara e confecciona em Macau”, explica o encenador.

Mas, as circunstâncias também dão lugar a mal-entendidos e muito pano para mangas para a divertida sátira de costumes em patuá com que o grupo diverte o público há 25 anos. “O grosso dos turistas é do continente e nem todos sabem diferenciar comida macaense da portuguesa, os sabores são diferentes, a confecção, os ingredientes. Podem até ter origens comuns, mas são coisas muito díspares, mas os chineses não sabem disto e é nesta confusão toda que se geram situações hilariantes, vamos brincar com estas situações”, explica.

A brincar com a comida nos entendemos

Este ano a peça conta com os actores habituais e uma estreia, a do jornalista João Picanço, que representa o papel de um português que chega a Macau, investigador na universidade, que anda a fazer pesquisa sobre a identidade e comida macaenses. “Conheci o Picanço o ano passado quando ele chegou, o primeiro contacto foi a ouvi-lo na rádio ou na televisão, ele era comentador de um jogo de futebol, e gostei muito, gostei logo. Para já tinha uma bela voz, voz radiofónica, é um profissional disto, uma dicção fantástica, e nós precisávamos de uma pessoa assim, com qualidades de voz bastante invejáveis”, conta Miguel de Senna Fernandes. O convite fez-se num encontro ocasional, na rua, explicou João Picanço.



O português, que tem muita dificuldade em perceber o que as pessoas lhe dizem, envolve-se numa série de peripécias, conta o actor João Picanço. Explica o encenador que “o português que chega a Macau é sempre bem-vindo. A comunidade macaense e a comunidade chinesa olham para a maneira como o forasteiro se comporta, nós vemos as coisas. Os chineses de Macau são muito reservados, a comunidade macaense também, e muitas vezes não lidam com tanta facilidade com a espontaneidade que vem de fora. Neste tipo de observação criam-se situações engraçadas”.

A história de “Qui di Tacho?” tem como pano de fundo duas famílias rivais, cada uma proprietária de estabelecimentos de comidas, vizinhos, mas que vivem de costas voltadas devido a um mal-entendido antigo. O actor José Basto da Silva, nos Dóci Papiaçám di Macau desde 2013, faz o papel de intermediário imobiliário. “Eu encontro um cliente chinês que compra os dois imóveis e transforma o estabelecimento numa espécie de cozinha de fusão, basicamente ele contrata um ‘chef’ chinês, que não percebe nada de comida macaense, porque quer aproveitar esta vaga de turistas para fazer negócio e enriquecer”, descreve José Basto da Silva.

Conta o fundador do Dóci Papiaçám di Macau que o desconhecimento em relação à comida macaense é tão grande que até o actor, chinês de Macau, que colabora com o grupo, “confessou nunca se ter apercebido que há tantas diferenças entre a comida macaense e a comida retintamente portuguesa”.

Este ano, o encenador introduziu mais texto em cantonense, uma exigência do próprio enredo, explica Miguel de Senna Fernandes.

A gargalhada que atrai todos os públicos

As características culturais chinesas, como a língua, todavia, nem sempre integraram as peças da única companhia de teatro em língua patuá, fundada em 1993. “A partir do ano 2000 o Dóci Papiaçám di Macau fez uma experiência única no teatro macaense que é introduzir o elemento chinês, que tradicionalmente não existia”, explica Miguel de Senna Fernandes. “Mas, se o teatro macaense diz respeito à sátira de costumes, se estamos a falar de Macau é impossível ignorar o elemento chinês e há que encará-lo de frente. Portanto, nessa altura introduzi com a participação do grupo de teatro Hio Kwok. O resultado foi fantástico. A partir de 2000 até ao presente há sempre um actor, alguém que fale chinês”, diz.

A partir de 2006 o grupo começou a fazer crítica social. “Fazemo-lo directamente e as pessoas riem-se muito”, prossegue o encenador.

A capacidade de provocar a gargalhada começou a atrair, também, o público da comunidade chinesa, assim como membros da administração. “Sei que o Governo não aparece lá como tal, mas pessoas da administração também vão ver e também chegam à conclusão que isto é tudo para rir e, muitas vezes, a boa gargalhada leva as pessoas a pensar, porque no fundo situamos o público nestas situações mais actuais”, explica.

O fundador da companhia de teatro afirma que “o público chinês começa a ir ver as peças cada vez mais, nos últimos quatro anos começou a haver um interesse crescente, a imprensa chinesa começa a notar a nossa companhia e várias vezes foram ver e teceram elogios àquilo que nós fazemos”, diz.

A companhia de teatro começou a contribuir à sua maneira para a aproximação das comunidades. “Justamente porque temos o elemento chinês que se introduz no teatro, no meio da risada, cumprimos uma coisa que, se calhar, noutros tempos não se faria com tanta facilidade, é o contacto de culturas, a expressão parece muito formal, mas isto existe no palco no meio da risada, acho que isto é fundamental”, conclui Miguel de Senna Fernandes. Cláudia Aranda – Macau in “Ponto Final”

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